Flashfire #2


Naquela manhã, o clima estava ameno. Nem muito frio, nem muito quente, pensou o garoto de dez anos, que havia acabado de se acordar em algum lugar de Geosenge Town. Abrira os olhos e sentira o terrível mundo à sua volta. A fraqueza em seu peito e o sentimento doloroso de morte que há pouco, enquanto dormia, não incomodavam, agora o faziam estremecer. Como sempre.
        Sentou-se em sua cama e tomou o remédio sobre o bidê. Bocejou, levantou com a habitual dificuldade os braços magérrimos e então percebeu que algo estava errado. A dor em seu peito... Não era a mesma. Estava diferente. Uma pequena pontada que sempre descia da união das clavículas até um pouco antes do estômago, rasgando o peito, e que ele sempre sentira a vida toda, agora estava se desfazendo. Ainda doía, como sempre doeu (e como sempre iria doer), mas era diferente. Ele se sentia capaz de respirar novamente. Quase como se estivesse curado.
        Não, ele pensou. Não podia alimentar falsas esperanças. Sabia que a doença que o consumia vivo todos os dias desde que era apenas um bebê ainda estava classificada pelos médicos e curandeiros como incurável. Nascera com ela e a levaria junto para o túmulo no dia em que morresse. E não faltava muito, ele tinha certeza.
        — Mãe? — Ele tateou às cegas a porta de seu quarto e saiu rumo à cozinha onde sua mãe esperaria com o café da manhã pronto. Era a única coisa que podia animar aquela pobre criança sofredora.
        Voou então para o banheiro — Sua mãe não gostava que ele corresse, podia prejudicar a sua saúde, mas ele o fazia mesmo assim. Não tinha nada a perder. —, urinou, escovou-se, trocou seus curativos com delicadeza e então voltou em direção à cozinha.
        — Mãe?
        Mas não ouviu o habitual "Filho? Mamãe tá na cozinha!" em resposta. Será que ela estava preparando uma surpresa? Ultimamente, ela estava aderindo à uma nova forma de tratamento chamada "Terapia do Riso", o que o garoto duvidava que realmente funcionasse.
        — Mã-ãe?!
        O garoto espiou pela porta que levava do corredor à cozinha, mas não viu ninguém lá. Sentiu então algo ou alguém tocando seu ombro, aproximando-se pelas costas.
        — Mãe?
        Virou-se e a figura que viu ali parada não era sua mãe.
        — Ah, Reverendo Francois! — O velho rosto de um pastor da igrejinha local preencheu a vaga visão do garoto. Era um senhor de idade, muito enrugado, quase completamente careca com muito pouco fios de cabelos brancos, óculos velhos meio tortos e um longo manto negro com colarinho típico de missionário.
        — Meu filho.... Já rezou hoje? — Perguntou o Reverendo.
        — N-não, por quê?
        — Por que hoje recebemos mais uma estrela no céu! Hoje Deus chamou alguém muito querido e especial para o Reino dos Céus, alguém para descansar no Paraíso, depois de uma vida de luta e de coragem.
        — Alguém morreu? — Perguntou o menino, assustado.
        — Sim. — Disse o Reverendo em um tom triste.
        — Quem? — O Garoto perguntou e então aquela cena que ele achava que nunca iria se lembrar, assim como todos os dias de sua monótona doença, gravou-se pra sempre em sua memória.
        — Sente-se, fils!
        O garoto sentou-se na usual banquetinha em que sempre era obrigado a ficar parado para tomar injeções medicinais como parte de seu longo e eterno tratamento. Fitou o Reverendo com os olhos muito pouco enxergando e tentou adivinhar o que aquela expressão na cara do velho servo de Deus queria dizer. Então uma dor excruciante atingiu seu peito, mas não uma dor como a que sempre sentia quando se acordava. Era uma dor de agonia, de angústia, tristeza e pesar. A garganta queimou em desespero. E começou a gritar, berrar, chorar.
        — QUEM... QUEM MORREU? F-FOI? FOI A MINHA MÃE? — Perguntou, já quase ficando sem ar.
        Uma lágrima então escapou do olho do Reverendo, que mesmo sem palavras, correu a abraçar o garoto, confirmando assim que o maior pesadelo daquela criança havia se concretizado.

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