Conto (+16): A pergunta que não quer calar

 Tudo o que Red queria era pegar seu primeiro pokémon. Era seu sonho desde criança. Durante muito tempo, esperou por esse dia, e agora estava ali, ao seu alcance. Estava animado para conhecer os iniciais. Ouvira dizer que os da região de Kanto eram os melhores. E tudo o que Red precisava era ir até o laboratório do Professor Carvalho, no alto do cume da cidade de Pallet, em uma belíssima fazenda, onde o velho pesquisador estocava uma tonelada de pokémons que os treinadores sob sua tutela o deixavam encarregado de cuidar.
            “Um dia, serei eu.” Pensou Red. Depois corrigiu sua ideia. “A partir de hoje, serei eu”. E assim foi, confiante rumo ao seu primeiro desafio como treinador. Subiu o morro na coragem, ansioso para o primeiro diálogo com o homem que mudaria completamente sua vida.
Dependendo da conversa que tivesse com o Professor Carvalho, Red poderia se beneficiar e muito. Ouvira dizer que o professor dava privilégios para os treinadores de quem ele gostava. Então tudo o que o jovem aspirante precisava, era ter um bom diálogo com o velho para usufruir de dicas interessantes de jornada, itens raros, auxílio vinte e quatro horas, e quem sabe até um inicial melhor do que os três que se costuma entregar na região?
            E foi pensando nisso que Red bateu à porta do professor, ignorando completamente o suor que lhe empapava o rosto e a respiração acelerada, fruto da longa subida até o laboratório. Não podia se preocupar com essas bobagens agora. Sua cabeça estava em outro lugar. Estava ansioso demais para qualquer coisa. O coração parecia que ia sair pela boca, e as mãos haviam ficado úmidas, tamanha a expectativa.
Red quase teve um infarte quando ouviu passos se aproximando da porta pelo lado de dentro. “Clique”. Alguém começara a girar a maçaneta. Enfim, o momento mágico havia chegado. A porta começou a ranger, e lentamente, muito lentamente, se abriu, revelando um homem de idade com sobrancelhas grossas do outro lado do arco, a pessoa que Red mais queria ver nesse momento. Ele: o tão prestigiado Professor Carvalho, entregador de iniciais, estava ali, bem à sua frente, com uma xícara de café na mão e um jaleco surrado.
Era o momento, Red pensou, estava finalmente na hora de explodir. A partir daquele dia, ele seria um sucesso, não só em Kanto, mas em várias regiões, senão o globo todo! Red só precisava de um bom diálogo. Era só isso o que ele precisava para iniciar a jornada com o pé direito. Então se atreveu a iniciar uma frase, por mais boba que fosse, só para puxar saco.
— B-belo jaleco — Ele disse, a respiração intercalada. —, professor!
Mas o pesquisador encarou Red dos pés a cabeça, com um quê de dúvida.
— Hmm... — Ele disse.
— Hmm? — Questionou Red.
— Hmm. — E o homem tornou a dizer.
Hmm. Mas o que aquele Hmm significava? Será que o professor não havia gostado daquele elogio? Será que muitos outros treinadores já haviam tentado dar boas impressões fazendo elogios como aquele? Será que o Professor suspeitava de que Red estava tentando receber os tais “benefícios” de que tanto falavam pela cidade?
O que aquele Hmm queria dizer? Red parecia que ia evaporar de nervosismo. Começou a tremer enquanto o olhar perspicaz do doutor o examinava cada centímetro de estatura. De repente, o velho se abaixa e solta:
— Você é um garoto... Ou uma garota?
— C-como assim?
Como assim! Red ficou paralisado. Aquilo só podia ser brincadeira, mas o olhar do professor dizia que não. Ele apertava os olhos, tentando examinar o garoto, uma cara de sádico. E estava cada vez mais perto. O coração de Red começou a pulsar mais rápido, mas dessa vez, não era de excitação pelo começo de jornada. Não era nervosismo, era um estranhamento. Tinha alguma coisa errada, alguma coisa muito errada nessa história.
Então o professor colocou a mão sobre o ombro do garoto e se aproximou mais, sussurrando lenta e penosamente em seu ouvido:
— Vou perguntar mais uma vez... — disse ele, com aquele sotaque de dar náuseas. — Você é um garoto... Ou uma garota?
Red gelou. O velho cheirando a colônia barata continuava fitando-o com firmeza, cada vez mais próximo. Parecia que já ia engolir Red, e a cabeça de Red só tinha lugar para coisas terríveis. Será que o professor queria que Red... fosse a “garotinha” dele? Será que era isso o que queria dos treinadores que iam até seu laboratório, em troca de favores e ajuda em suas jornadas? Era esse o troco? Era isso o que Red tinha que fazer para se dar bem em sua jornada? Ele tinha que... Se tornar a garotinha de um velho pervertido e tarado? Será que o professor não passava de um... ARGH! IMPURO?!
— Garoto ou garota? — Sussurrou o velho asqueroso em seu ouvido, no momento em que a realidade massacrava a cabeça de Red, que parecia agora uma granada prestes a irromper em uma explosão. Ele sabia que o futuro de sua jornada dependia daquele momento.
Uma boa conversa, uma boa conversa. Era o que Red precisava para conseguir o seu inicial. Ter uma boa conversa. Mas a pergunta martelava. Garoto ou Garota? A pergunta parecia corroer Red por dentro. Ele não poderia se rebaixar a tal insanidade. Não poderia deixar que um velho enrugado o fizesse de garotinha para satisfazer sua luxúria.
Por um momento, Red pensou em ceder, mas não. Não! O que é isso? Ele não aguentou a pressão! Ele tinha que fazer alguma coisa. Mas não podia fugir. Ele tinha que pegar o inicial. Era hoje ou nunca, disso ele tinha certeza. Então respirou fundo, engrossou a voz e disse, em alto e bom som:
— G-garoto. Eu sou um garoto, senhor!
Garoto. Com “o” no final. Garoto.
Então um sorriso simpático se abriu no rosto do professor. Red o observou com atenção. Aquilo era um tipo de teste? Por que Red não conseguia se sentir satisfeito só com aquilo? Por que sentia que algo mais ainda estava por vir? Por que tinha a impressão de que estava prestes a ser violado? Pior: Violentado!!
— Ah! Desculpe-me pela grosseria, meu rapaz — Por fim disse o professor. — é que meus óculos quebraram.

Red suspirou de alegria, e os pensamentos voltaram a fluir normalmente. Uma boa conversa. Uma boa conversa. Uma boa conversa. Era só o que ele precisava. Graças a Arceus! Era SÓ o que ele precisava...

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1 Comentários

  1. TO aqui rolando de rir. Gente, pq nunca parei pra pensar como Red se sentiria com essa pergunta? Sua ideia foi genial, é tão simples, o que torna tudo ainda melhor. Novamente você provou ser um exímio escritor. E tadinho do Red, estava tão nervoso, você transmitiu isso muito bem, alias. Sò faltou Gary aparecer e ele perguntar o nome do neto dele para Red, kkkkk
    Até mais ;)

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