Era uma vez um menino normal chamado K. Ou melhor, normal era tudo o que K queria ser. Cheio de problemas e de incertezas, ele levava a vida tentando ajudar aos outros, porque chegou à conclusão de que seus atos impensados no passado haviam machucado muitas pessoas. De tanta tristeza acumulada dentro de si, K ficava pistola com qualquer coisinha, e algum pobre desavisado que fizesse uma piada fora de hora ou não se expressasse corretamente, era aniquilado sem dó nem piedade. Seu coração explodia cheio de fúria e de arrogância. Coitado de quem estivesse passando por perto nessas horas...
Mas isso não mostrava quem K realmente era, já que ele sempre se arrependia de suas grosserias e de toda a estupidez. Tais atitudes, na verdade, eram uma janela aberta para a tempestade que assolava seu interior, fustigando sua integridade mental e açoitando sua estabilidade. Cada comentário, a mais ou a menos, o afetavam de tal forma que ele não conseguia mais enxergar o sol, apenas nuvens carregadas, prontas para desabar a qualquer momento. Mas a precipitação jamais podia acontecer. Ele não deixava chover. Mas não porque não queria ou porque não precisava. É que ele acredita veementemente que sempre há de conter a "fraqueza", uma vez que na sua solidão, não há alternativa senão guardar tudo para si. Há momentos, no entanto, em que isso chega a um limite. Ele põe para fora na forma de fúria, pois mesmo se empenhando em mostrar, ninguém enxerga o que está acontecendo diariamente sem jamais descansar.... O suspiro em seu respirar... Ninguém vê os gritos de socorro silenciados pela vergonha do insucesso ou porque foram mascarados por um sorriso amarelo só para agradar àqueles ao seu redor.
K não tinha vida social, não tinha escola, não tinha trabalho. Vivia cansado da rejeição, do tentar, tentar e tentar, sem nunca ser chamado, ou lembrado, ou sequer visto. Atormentado por ansiedade e melancolia. Assombrado por fantasmas do futuro e do passado, enquanto preso ao presente. K não tinha a aparência que os outros desejavam que ele tivesse, nem os trejeitos tipocamente normativos. Tinha seus privilégios, mas isto era também o que lhe faltava. Não tinha amigos, odiava as redes e era julgado por preferir a solitude. Nadava contra a correnteza, era considerado rebelde simplesmente por não fazer o que todo mundo fazia. Ele não tinha dinheiro, não tinha popularidade, não tinha a aceitação que tanto lhe fazia falta. Tinha, porém, muitos sonhos. Muitos, muitos mesmo. Sonhos demais para pouca liberdade. E, embora vivesse na angústia, sentindo-se um peso para os outros (inútil para a sociedade - mais uma boca faminta querendo ser alimentada, sem condições de se sustentar - problema de adulto), ele tinha a liberdade de olhar para o mundo e imaginar as paletas que seus olhos não conseguiam captar no mundo real.
Como todas as coisas lhe pareciam brutais e as pessoas agiam por onda, sem realmente pensar naquilo que estavam fazendo, K brilhava os olhinhos em torno da fantasia. Se os povos antigos (e até os atuais) cultuavam deuses e musas, santos e ídolos, por que ele não poderia cultuar um mundo melhor? Um mundo futurístico e talvez até utópico, mas que lhe dava esperanças e um pequeno resquício de fé na humanidade, que há muito parecia perdida, sob sua perspectiva.
Certa vez disse Clarice Lispector: "Toda criança é feliz, todo adulto é triste e solitário". Em seu mundo de fantasia, K era livre para expressar a sua arte, livre para voltar a ser criança. E não havia nada que o lembrasse mais dos tempos de inocência que o velho console de videogame empoeirado sobre a prateleira. Pokémon... Digimon... Muitas e muitas histórias de amor e guerra, queda e superação, que ele invejava no mais puro e singelo coração fanfiqueiro de fã.
E assim essa história chega ao fim. K não viveu feliz para sempre. Sequer vivera de verdade... Que dirá feliz! Até "sobreviveu", mas não "viveu"... Continua sobrevivendo até hoje... Mas pelo menos, um conforto ele teve: a certeza de que a paz que ele tanto buscava residia em um único lugar: dentro dele mesmo.
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