Liko olha para o lado e o que consegue testemunhar é um momento raro. Sada derramando lágrimas. A renomada Professora inventora da primeira Máquina no Tempo funcional jamais se permitia ser vista chorando. Isso só tinha acontecido duas vezes até então: quando ela descobriu o Fenômeno Terastal e pode testemunhá-lo em uma batalha, e no dia em que seu filho Arven nasceu, quando ela o pegou em seus braços pela primeira vez.
"É... Fascinante!" disse Sada, enquanto tentava limpar as lágrimas com a ponta dos dedos, mas demonstrava dificuldades por conta das unhas longas.
"O teletransportador espacial funcionou." constatou a Professora. "Agora precisamos conferir se o teletransportador TEMPORAL também fez efeito. Pouse a nave perto da Academia, mas longe o suficiente para não sermos vistas."
Sada fica encarando Liko, que não sabe o que fazer ou dizer.
"Agora!" Ordena a Professora.
"E-e-eu não sei como pousar. Achei que fôssemos ser teletransportadas na terra, e não no ar." Liko está em choque. Ela não sabe pilotar a nave propriamente.
"Arceus, tenha piedade de mim!" Sada assume o volante. Aquilo era apenas um passatempo para a Professora-Pesquisadora. Ela tinha o controle de TUDO. Não seria uma pequena intercorrência daquelas que a iria impedir de alcançar seus objetivos. Ela pisou dos pedais e a nave rugiu, acelerando bruscamente para a frente, num solavanco que fez Liko cair e bater a testa no piso de madeira.
"É mais difícil do que eu pensei." Constatou a professora, constrangida. "Dê-me apenas um minuto!"
Sada tira as mãos do volante completamente, enquanto a nave parece inclinar perigosamente para baixo. Ela rapidamente pega o notebook que trouxe consigo e através de uma conexão wireless, ela acessa o sistema do painel de bordo da nave.
"IA de Pilotagem Automática, ativar." Ela clica na tecla TAB e a nave se endireita novamente no ar. O computador havia assumido o controle.
"Como você fez isso?"
"Querida, minha tese de doutorado foi em Inteligência Artificial. Tecnologia Beheeyem. E esse programinha aqui, fui eu quem codifiquei."
Liko arrepiou-se da cabeça aos pés. Beheeyem era uma espécie de Pokémon extraterrestre que desde 1961 estava em contato com a humanidade, trocando conhecimentos.
Mas mesmo que a relação do ser humano com os Beheeyem fosse mutuamente benéfica, Liko não conseguia parar de imaginar os mesmos invadindo a Terra em suas naves alienígenas e aniquilando tudo em busca de nossos recursos.
Ela procurou afastar o pensamento de que a Professora Sada não tinha nenhum receio de estar em contato com estes seres, e manteve o foco na missão.
A aeronave dos Trovonautas já estava bem próxima de seu destino.
"A Escola fica ali." Apontou Liko, através do vidro.
"Então vamos pousar próximo daquela floresta." Anunciou Sada. A inteligência artificial já ouviu a conversa, reconheceu o comando e inclinou a nave na direção exata do referido local de pouso.'
Academia Indigo, Kanto (Japão), 2004 d.Q.
A Escola toda estava reunida na pátio. Em frente ao palanque, o renomado Professor Carvalho, simplesmente a maior autoridade em estudos Pokémon do MUNDO, palestrava.
Detrás do muro, do lado de fora da escola, Sada e Liko tentavam observar à distância, com muita dificuldade.
"O Velho Oak..." admirou-se Sada. "Não sabia que ele dava aulas na escola."
"E não dá! É que hoje é um dia muito especial..."
"Hã? Que data você escolheu, Liko?"
"O dia em que eu conheci a Sprigatito, minha Pokémon inicial."
Liko então aponta para a versão dela mesma no passado, em meio à multidão.
"Olha eu lá!"
"Caramba!" Sada estava chocada. Mesmo em meio à multidão, era possível reconhecer o clipe de cabelo com o Símbolo da Liga Índigo, e o cabelo preto com mechas azuis. Era Liko, só que não a que Sada conhecia. Era a Liko do passado, com uniforme escolar e tudo.
"Neste momento... Eu estava tão nervosa enquanto ouvia as palavras do Professor Carvalho." diz a garota. "Como eu queria que alguém tivesse chegado para mim e dito que tudo ficaria bem. É uma pena não podermos interferir..."
O coração de Liko começou a encher-se de emoção, quando ela começou a se lembrar daquele momento tão especial. Nascida em Paldea (Espanha), a menina foi para um internato na Região de Kanto (Japão), a fim de aprender mais sobre Pokémon.
Foi paixão à primeira vista. Com uma pokébola em mãos pela primeira vez na vida, Liko encosta sobre a testa da pokémon de grama e a captura, tornando-se oficialmente assim, sua parceira humana. Mas Sprigatito não gostava muito de Liko. Pelo menos não no começo. Hoje, Liko dá risada da primeira vezes em que tentou comandar Sprigatito em uma batalha, contra sua melhor amiga Anne e seu parceiro Oshawott...
Foi um verdadeiro desastre.
"No que você está pensando?" De repente perguntou Sada, trazendo Liko de volta à realidade.
"N-n-nada. Eu apenas fiquei perdida em lembranças."
"Até então, o passado era apenas isso: um conjunto de memórias imperfeitas, as quais registramos de maneira falha com nosso cérebro. Agora, nós podemos acessá-lo livremente. A Máquina funcionou! Nós voltamos mesmo no tempo!"
"E nós fomos as primeiras a fazer isso." Comentou Liko.
"Exatamente. Duas Mulheres." Completou a Professora.
"Um pequeno passo para a mulher, um grande salto para a feminilidade."
Liko tira um sorriso de Sada.
"Desde que eu pus os meus olhos em você, sabia que era a pessoa certa para esta missão..."
No entanto, aquele momento de puro êxtase foi quebrado. O alarme de um carro às costas das duas soou, e o trânsito que fluía normalmente na rua foi interrompido.
CRAAAASH!!!
Algo ou alguém acaba de quebrar um para-brisas à força.
"O que está acontecendo?"
Liko vira-se rapidamente para trás, só para dar de cara com uma criatura assustadora. Um touro negro de corpo deveras musculoso, de longos e afiados chifres que miravam na direção da garota, com uma cauda tripla enroscada que lembrava uma corda de marinheiro. E estava em fúria. Escavava o chão com a pata dianteira, enquanto fumaça branca saía de seu trêmulo focinho.
"É um Tauros de Paldea!" Berra Liko. "O que faz aqui?!"
"Hã?" Sada de repente se assusta. Ao botar os olhos em Tauros, ela percebe que há algo de errado. O Pokémon não era feito de carne e osso, mas sim... de uma propriedade mineral cristalina... E o chapéu em formato de caveira e ossos cruzados que cintilava sobre sua cabeça, dando a todo o seu corpo uma tonalidade púrpura, só confirmava as suas suspeitas.
"O Fenômeno Terastal..." constatou Sada, impactada com aquela imagem. Afinal, o que um Pokémon de Paldea estava fazendo ali, em Kanto? E como ele estava Terastalizado se aquela transformação, a qual ela própria havia batizado, só poderia acontecer nas dependências da Área Zero ou em locais nos quais o Pokémon pudesse entrar em contato direto com a mesma formação cristalina que aflorava por lá?
"Algo deu errado!" Preocupou-se em gritar Sada, cujo coração agora acelerava como nunca. Mas só para ter certeza, ela resolveu conferir com Liko. "Diga-me... Você não se lembra deste evento acontecendo nesta data, não é?"
"Eu com certeza me lembraria de um Pokémon maior que um homem adulto e transformado em joia preciosa destruindo todos os carros em frente à minha escola!"
É claro que aquilo não havia ocorrido anteriormente. Isso porque Liko só tinha lembranças boas da Academia Indigo, especialmente do dia em que conheceu a Sprigatito. Se ela tivesse olhado nos olhos frenéticos e encolerizados daquele Tauros no ano anterior, quando ela ainda nem era uma treinadora Pokémon direito, aquilo a teria feito PIRAR. Aquele era um evento INÉDITO. A vinda de Sada e Liko para o passado estava ALTERANDO A LINHA DO TEMPO.
"Essa não!!! Estamos criando um paradoxo temporal!"
Sada desesperou-se. Bem nesse momento, farejando o medo emanado pelas duas viajantes do tempo, o Tauros de cristal marchou na direção de ambas. Um passo. Dois passos. A cada vez que seus cascos brutos encontravam o solo, ele avançava mais rápido."
"CUIDADO!"
Sada saltou sobre Liko, empurrando-a direto para a calçada, evitando uma investida mortal daquele Tauros descontrolado, cujos chifres agora brilhavam em um tom de vermelho vivo, ao passo em que um vapor emanava dos mesmos, indicando que estavam sendo superaquecidos.
"Aquele movimento se chama 'Touro Raivoso'!" Explanou Sada, que tinha um conhecimento vasto sobre Pokémon, especialmente os que vinham da sua Região natal, Paldea.
Tauros então passa a envolver todo o seu corpo, e não apenas os chifres, em chamas ardentes, que queimam e estalam em uma velocidade impressionante.
E por alguma razão óbvia, Liko sabia que se aquele Pokémon descontrolado acertasse sua próxima investida, ela não sairia dessa viva para contar a história.
Então, puxou do bolso a pokébola que ganhou neste mesmíssimo dia, só que agora com mais de um ano de diferença, e a arremessou à sua frente, trazendo à tona sua parceira Pokémon, ela mesma: Meowscarada.
"Miau!"
Embora apenas miasse e não rugisse como um Incineroar, a voz de Meowscarada era sem sombra de dúvidas sedutora. Mas sedutora de um jeito ruim. De um jeito perigoso.
Tauros se assusta com o pokémon aparecendo bem à sua frente e para de correr. As chamas que antes envolviam seu corpo, se dissolvem e seu ataque "Touro Raivoso" se desfaz.
"Ele baixou a guarda!" Constata Sada. E então Liko soube que este era o momento perfeito para atacar.
"Agora: Truque da Flor!"
"Miau, Miau, Miau!"
Meowscarada dispara seu botão de flor na direção do oponente, prendendo-o entre os chifres do Pokémon em cólera e o chapéu de caveira da Terastalização. Assim que a flor entra em contato com o alvo, ela começa a chacoalhar, arrebentando em uma explosão de clorofila.
"MUUUUUUUHHHH"
O touro muge e ressurge mais bravo do que nunca, predando Meowscarada com um contra-ataque surpreendente: Blitz de Labaredas, um golpe superefetivo. Por sorte, Tauros também sofre danos no processo.
"Meowscarada, você está bem?"
Liko aproxima-se da Pokémon caída, fortemente impactada pela investida chamejante de Tauros.
"Liko, o colar!" Grita Sada, com medo de que o touro voltasse novamente contra a garota e colidisse os chifres perfurantes contra ela.
Imediatamente, Liko segura o pingente que pendia em seu pescoço, aquecendo-o com o calor da própria mão, que suava devido à adrenalina da batalha, enchendo sua corrente sanguínea.
Um brilho perpassou o local. Um bolsão de energia sai de dentro do cristal que Liko segurava e perfura Meowscarada como um tiro. De repente, o corpo da Pokémon inicial de Liko não era mais feito de carne e osso, era mineral, como o de Tauros. Só que seu brilho era verde, irradiando a energia potencial do tipo Grama.
"E-e-ela... Se Transformou!"
"Veja aquelas flores de cristal que surgiram sobre a cabeça de Meowscarada! Isso significa que seus ataques do tipo Planta estão muito mais fortes agora! Experimente mais uma vez!"
"Tudo bem! Meowscarada, Truque da Flor!"
Tera Meowscarada, como era chamada depois de Terastalizar, lança seu botão de flor uma vez mais, atingindo o Tauros de Paldea bem no peito. Só que ao invez de apenas estourar em uma energia verde como da última vez, explode em partículas cristalinas que lembravam folhas, irradiando um brilho tão grande, mas tão grande, que ofuscava até mesmo o brilho da Terastalização do Tauros. Era uma poluição visual sem precedentes, mas ao mesmo tempo, era muito fluida e linda.
A explosão cessa. A fumaça baixa. Os brilhos somem e o touro urra mais uma vez. Mas toda a centelha cintilante que envolvia o corpo do mesmo, se desfaz, quebrando como vidro.
Tauros tomba, aniquilado, e então, corre para longe, desenfreadamente.
Liko olha ao seu redor. Tem uma multidão reunida na faixa, atônita, observando os estragos causados por aquela batalha. Uma criança, do outro lado da rua, puxa a mão da mãe e grita, em êxtase, apontando para Meowscarada.
"Mamãe! Mamãe! A gatinha deu uma surra no boi!"
Liko e Sada trocam olhares. Elas haviam chamado mais atenção do que gostariam.
"Temos que sair daqui. Imediatamente. Tipo... AGORA." Ordena a Professora, apavorada com as incertezas que uma alteração na linha do tempo poderia causar.
Liko nem pensou duas vezes. Colocou Meowscarada (que a estas alturas já tinha retornado ao normal) de volta na pokébola e começou a correr ao lado de Sada em direção à floresta onde haviam estacionado a aeronave.
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