LIKO
Estar em um corpo novamente era estranho... Como eu posso dizer? Desde que eu voltei, eu me sinto... "Simplória" novamente... Eu comecei a sentir prazer nas coisas mais idiotas, como mijar ou cagar. (Nossa... Como mijar é prazeroso, especialmente quando a bexiga está cheia!) Mas ao mesmo tempo, sentir a vontade de fazer xixi era meio que um incômodo. Sentir fome, sentir frio, calor, sentir dor... Medo... Esquisito. Demais. Às vezes, no entanto, eu precisava ser lembrada de fazer coisas básicas, como comer, outras vezes eu desabava de exaustão por não me recordar que este corpo tinha limitações físicas.
A vida como um espírito que estava unido ao meu corpo petrificado por um único fio de prata durante um bilhão de anos, podia ser solitária, mas de uma certa maneira, essa prisão me trouxe liberdade. Uma liberdade que eu não tenho mais dentro deste corpo... Eu podia voar, eu podia atravessar objetos sólidos, eu podia correr e jamais me cansar... E neste ponto, sobretudo, posso dizer que era muito vantajoso. Afinal, eu não precisava dormir. Meu corpo não cedia à exaustão. Eu simplesmente existia 100% do tempo no estado de vigília e eu estava muito habituada com isso, afinal, eu passei mais tempo fora do que dentro deste invólucro de carne.
Agora, uma vez mais encarcerada nas paredes de sangue, eu me sentia pesada, como se para cada movimento me fosse necessário um esforço extremo. E essa foi a razão de eu ter dormido praticamente a viagem inteira até Paldea. Eu nem vi o tempo passar, eu só me levantava para o banheiro e de lá, voltava para a cama. Só sei que levaram três dias até que o velho castelo flutuante de minha avó chegasse à minha Região Natal, flutuando acima de mares e terras como se fosse um avião.
Roy estava animado. Quer dizer, quando é que aquela peste não estava animada? Sempre que o via, ele estava sorrindo, brincando com os Pokémon do Castelo...
Era a mesma coisa quando viajávamos a bordo do Brave Asagi. Ele sempre foi um crianção. E mesmo agora que tinha dezessete anos, assim como eu, isso não parecia ter mudado. Quer dizer... Esse corpo em que habito até poderia ter dezessete anos, tendo meu 17º aniversário sido completado enquanto eu estava congelada, mas minha mente se tornou muito, mas muito mais velha que isso, e agora, eu me sentia como um Feebas fora d'água, a diferentona que JAMAIS irá encontrar alguém assim com ela...
Eu desconheço o propósito disso tudo, mas... Eu meio que não consigo mais me conectar com ninguém. Se antes eu achava difícil suportar o sorriso do Roy, que sempre foi uma criança mimada pelo avô e sempre teve TUDO na vida, agora eu não suporto a ingenuidade emocional de NINGUÉM, porque todos me parecem infantis DEMAIS!!! Não posso julgá-los. Eu sei que eles não tiveram o mesmo tempo que eu tive para amadurecer minhas ideias e conter minhas emoções.
Ao mesmo tempo, agora que tenho outras pessoas ao meu redor novamente, eu só quero voltar a ficar sozinha... Sendo que quando eu estava Terastalizada, tudo o que eu mais queria era que alguém me encontrasse e me resgatasse. Quem é que entende?! Será que eu nunca vou encontrar algo que me satisfaça? Enfim... Caos da mente humana. Especialmente para um cérebro de adolescente, que não se desenvolveu tanto quanto a minha alma se desenvolveu fora do corpo.
Alma e cérebro são coisas diferentes. O cérebro funciona com a química, sendo influenciado diretamente pelas reações que acontecem no corpo. Dito isso... Os hormônios são realmente estressantes! PRA CARALHO! Eu sentia tinha muita, muita raiva e só queria um pouco de paz! Isso era algo que não se tinha fora do corpo... A emoção ficou de lado e só sobrou a inteligência. A consciência em sua mais pura forma de alerta, sem julgamentos, emitia um olhar sem apontar. Tanto que foi isso o que me ajudou a me reaproximar de minha outra metade, Riko, e me ajudou a perdoá-la por suas atitudes nefastas.
Estava sendo um lento processo de readaptação, a voltar a ser quem eu era... Só que eu passei tão pouco tempo sendo a menina Liko (filha de Lucca e neta de Diana) em comparação ao tempo em que vivi sozinha comigo mesma, dentro de minha própria mente, que minha consciência se esqueceu de que algum dia, eu fui essa garota, e que eu sentia constantemente essas coisas... As coisas do corpo. As necessidades básicas...
Mas o pior de tudo eu ainda nem falei... Eu também acabei me esquecendo dos filtros que as pessoas impõem à linguagem. Quero dizer... Eu não posso chegar e sair falando para as pessoas que elas estão feias ou fedendo... É deselegante. E talvez até criminoso. Mas quando eu estava vivendo em minha própria mente, habitando o eco que havia sobrado, minha essência humana que não podia ser congelada (a alma), todos os meus pensamentos se transformavam em minhas palavras. Tudo o que vinha à minha cabeça, era pronunciado. Afinal, não há como fugir da dos próprios pensamentos... Então qualquer besteira pensada, era uma besteira dita.
Agora, munida de uma boca para falar, eu me via um perigo ambulante, pois precisava fazer um esforço enorme para não falar tudo o que vinha à mente, principalmente os pensamentos intrusivos, frutos dessa fase rebelde e desregrada em que os hormônios estão à mil, "poluindo" meu corpo com tensões e pelos.
Então talvez fosse melhor se eu realmente continuasse dormindo, enquanto eu trabalhava mentalmente para me conter de dizer as coisas "sem querer, querendo"... É... Talvez fosse melhor assim...
Mas primeiro, eu vou preciso achar um jeito de calar a boca do tagarela escandaloso do Roy! Oh, molequinho chato da porra!
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