2004
2004 foi um ano esquisito. Ele começou muito bem. Eu era Campeão e estava levando uma vida tranquila e reclusa. Fiquei feliz porque viajei, fiz novos amigos... Tive experiências incríveis que eu jamais teria conseguido sem a grana que vencer a Liga Índigo me proporcionou.
Depois, porém, tudo mudou da água pro vinho. Vieram o Lance e a Elite dos 4 para me encalçar.
Giovanni, Mewtwo...
E agora, meus amigos eram nada além de lembranças doloridas que só existiam na minha mente...
Na noite em que Green, Blue e Yellow foram petrificados, eu tive o sonho mais estranho de todos, sonho esse que viria a se repetir dia a após dia, semana após semana, mês após mês, depois de sua morte...
Sonhei que o meu nome era Black...
...e eu estava de novo no lugar que meu subconsciente teimava em revisitar em todo episódio de terror noturno: no último andar da Torre Pokémon de Lavender, onde o cheiro de incenso queimado se misturava com o mofo da morte. Eu agora com meus lúgubres 16 anos, suava os remédios de tarja preta que me grudavam na garganta como veneno, encarando a assombração que deveria ter ficado enterrada.
O chão tremeu quando eu pisei no terceiro degrau apodrecido. A luz das velas fantasmagóricas projetava sombras de Pokémon que não estavam mais lá. E no centro da sala, ela me esperava.
Marowak.
Só que não.
O osso na mão dela não era uma arma — era um fêmur humano.
O vulto dela se esticou, desmanchando a forma de Pokémon, até virar uma coisa alta, com braços finos demais e um crânio alongado sob o capuz de névoa.
"Você voltou," a voz dela era um arranhão no meu cérebro. "O garoto que deixou a gente queimar."
Eu gritei algo — não sei o quê— e mandei o Saur pra frente. "Mata ela! Mata de novo se precisar!"
O Venusaur rugiu, mas a criatura só riu.
"Vá embora... / Intrusos....." Ela sussurrou. E então, como em um cântico demoníaco, bradou: "Maldição!"
E então o Saur apodreceu.
Não foi um golpe. Não foi um ataque. Foi como se o tempo tivesse acelerado em volta dele. A pele verde virou pó, as pétalas caíram antes de tocar o chão, e os olhos dele — seus lindos olhos — viraram líquido escuro escorrendo pelo esqueleto exposto.
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Em três segundos, ele era só ossos que logo tombaram e viraram pó, desaparecendo diante de meus olhos.
Antes mesmo que eu pudesse processar a desgraçada que havia acabado de acontecer, a criatura sorriu: "Quer tentar capturar agora?"
Minha mão tremia. Eu sabia que era um sonho, mas não conseguia acordar. Por mais que eu esfregasse os olhos, estar ali era muito, muito real, e não havia nada que me tirasse daquele INFERNO. Sabia que o Saur tava dormindo na pokébola na vida real. Mas o medo que eu sentia naquele momento era quente, era legítimo.
Então eu me atrevi a fazer o que a criatura sugeriu e joguei a Ultra Ball.
Para minha surpresa, ela entrou.
A primeira foi a Jessie.
Ela tava num beco de Celadon, pintando um grafite da Equipe Rocket numa parede quando eu apareci. Sua Jynx pulou na frente, mas eu estava tão ansioso para dar a ordem que nem me dei ao luxo de perder meu tempo batalhando.
"Maldição."
O Pokémon da Jessie derreteu como gelo no sol, um esqueleto de vidro com uma peruca loira intacta antes de desmoronar. Jessie gritou, mas o som morreu quando a sombra passou por ela.
Ela virou pó no vento.
James veio correndo atrás, com aquele Tangela ridículo dele.
"Red, pelo amor de—"
"Maldição."
Tangela virou uma teia de raízes secas James tentou correr, mas as botas dele grudaram no asfalto — e então ele virou uma estátua de sal quebrada.
Meowth foi o pior.
"Eu só queria falar humano, caramba!" ele chorou, antes de afundar no próprio corpo, como se alguém tivesse apertado um botão de "retroceder" na evolução dele. Em segundos, era só um Mew deformado no chão — depois, nada.
Me aproximei do que deveriam ser cadáveres, mas agora eram — nada — e roubei as pokébolas que haviam ficado. Foi mais um resgate. Afinal, ladrão que rouba ladrão tem 100 anos de perdão.
Cassidy riu quando me viu. "Acha que a gente é igual aqueles dois palhaços?" Seu Raticate pulou, os punhos brilhando.
"Maldição."
O rato virou um esqueleto ainda correndo, até colapsar. Cassidy caiu de joelhos, e eu deixei a sombra fazer o resto do trabalho.
Butch tentou fugir. Seu Primeape roeu o próprio pé pra escapar da pokébola.
Não adiantou.
"Maldição."
O macaco-porco envelheceu 200 anos em dois segundos. A pele dele caiu, os músculos viraram pó, e Butch não riu mais quando a sombra tocou nele.
Ele virou um desenho — um esboço a lápis na parede — antes de desaparecer *para sempre*. Arceus sabe o quão prazeroso para mim foi vê-lo encontrar o reino dos mortos!
Carr estava num laboratório, rodeado de Magneton flutuando em tanques, trabalhando em experimentos para a Equipe Rocket.
"Você não entende, Red! A gente tá criando uma nova forma de vida!"
"Maldição."
Os Magneton colapsaram como engrenagens enferrujadas. Carr tentou se esconder atrás de um vidro, mas ele derreteu sobre ele como ácido, o cheiro das entranhas impregnando o ar e eu me regozijando com o aroma da morte.
Orm, por incrível que pareça, foi mais esperto. E eu nem sabia que golens de pedra possuíam cérebro...
Seu Slowbro usou Amnésia, mas a sombra comeu o ataque. O Pokémon ficou vazio — sem memória, sem mente, só um casco andando em círculos até desmontar. O Shellder em seu rabo soltou-se em desespero e regrediu à forma natural enquanto dava pulinhos inutilmente tentando escapar. Eu nem precisei da Sombra para acabar com ele. Bastou um pisão bem dado e aquela concha se desfez em mil pedaços, o Pokémon se transformando em uma gosma preta debaixo da minha sola.
Orm chorou. "Por favor, eu tenho filho —" É claro que tem, eu pensei. Somente pessoas desalmadas e desprovidas de qualquer inteligência seriam capazes de trazer outro ser para este mundo só para SOFRER. Orm cabia dentro desta descrição.
"Maldição."
Ele virou areia dentro da roupa.
Sird Storc foi a única que lutou.
Suas três Persian cercaram a sombra, mas ela sorriu.
"Maldição."
As gatas viraram fumaça, e Sird gritou quando a sombra entrou pela boca dela. Seus olhos começaram a transbordar sangue, fluido esse que também saiu por outros orifícios... Orelhas, nariz, boca e todos os outros que você está pensando.
O peito da aliciadora de menores estufou e de dentro brotou a sombra, que com suas garras negras, envolveu o coração vermelho-hemácea da bandida, empurrando-o para fora do corpo seco e sem vida, se é que algum dia aquela mulher soube o que era ter isso.
A garra então se fechou em torno do órgão, que ainda pulsava, mesmo fora do corpo e o esmagou, explodindo em sangue. O mesmo ocorreu com o corpo da Sird, que espirrou por todos os lados, incluindo em mim. Lambi meu rosto, coberto por aquela substância vermelha que me lembrava o cristal que arruinou a vida do meu pobre Saur.
Era amargo.
Mas era delicioso.
Era um sonho lúcido. Eu sabia que aquilo não era real, mas de repente, tirar a vida aqueles que me mataram por dentro estava sendo tão... prazeroso... que eu não queria mais acordar.
Eu me alimentei da bile do Tenente Surge e seu Electrode. Eles haviam se tornado uma poça tão indistinguível no chão que eu já nem sabia mais quem era quem.
A criatura da Torre de Lavender foi criativa quando encontramos Koga e seu Victreebel escondidos na Zona do Safári. Primeiro, ela envenenou o ninja com uma toxina de Qwilfish, fazendo-o paralisar e sufocar, depois bastou eu empurrá-lo em direção à boca de sino de seu Pokémon que o ácido estomacal da planta carnívora o dissolveu por completo enquanto ele, consciente, mas fisicamente impossibilitado de se mover, sentiu cada segundo.
"Maldição." E de repente, o próprio Victreebel era um ensopado de fluidos pútridos, com os quais pintei meu rosto, sem sentir um pingo de dor, mas prazer. O mais absoluto prazer.
Depois que chegou a vez da Sabrina e seu Hipno pe*ó**lo, eu senti que nem precisava mais dar o comando "Maldição.", a sombra já fazia o seu trabalho sozinha, apagando a existência de meus inimigos para sempre. Ou talvez eu só tivesse absorvido os poderes telepáticos da líder psicopata de Saffron no momento em que chupei todo o caldo preto que saía de seu cérebro afetado.
Já o fígado do Pryce tinha sabor de raspadinha. E sabe o que é mais engraçado? Que eu sentia que ao devorá-lo, eu estava vingando todas as crianças que ele raptou...
...e treinou durante anos para tornarem-se soldados da Equipe Rocket, como "O Máscara Gélida". A Green e o Silver inclusos.
E então...

Ele estava no topo do Ginásio de Viridian, mas não era mais o Giovanni que eu lembrava.
Era um cadáver de terno, com a pele grudada nos ossos. E atrás dele...
Aquela coisa.
Parecia um Mew esticado, com braços longos demais e um rosto que não era de Pokémon.
"Red," Giovanni tossiu sangue. "Você matou todo mundo. O que te torna diferente da gente?"
"A diferença é que... Vocês mereciam."
"Até sua mãe?"
Eu congelei. A figura de Mewtwo havia se distorcido e se transformado... NA MINHA MÃE!!
A sombra riu dentro da pokébola.
"Maldição."
Giovanni não morreu. Ele só desapareceu, como se alguém tivesse apagado ele da realidade. E de repente, não foi mais prazeroso. Foi... vazio. Sem emoção alguma. Por quê?
A coisa que parecia um Mew e agora a minha mãe, sorriu.
"Agora só sobra você."
Eu não lembro de ter dado a ordem.
Só lembro da sombra saindo sozinha da pokébola.
Lembro dela me olhando com pena. Ou talvez fosse só o seu desejo inicial se manifestando, algo que ela queria ter feito desde que eu a encontrei no cemitério vertical de Lavender. Ela se virou para mim e de repente um lampejo de consciência me atingiu.
Giovanni estava CERTO. Eu havia matado a todos em Kanto. Não apenas a Equipe Rocket, mas sob a influência da Sombra, eu havia tirado a vida de todo cidadão e cidadã na Região, incluindo crianças, jovens, adultos e até idosos, todos sem o menor pingo de remorso ou piedade. As memórias entravam todas de uma vez em minha cabeça, e eu sentia como se elas sempre estivessem estado lá, eu só havia me esquecido.
Eu era a última pessoa viva num raio de sei lá quantos quilômetros. Eu agora governava soberano sobre um exército de cadáveres transformados em poeira e fluidos corporais que eu sequer era capaz de me lembrar sem sentir o gosto de vômito inundando minha garganta.
Então, a Fantasma da Marowak ou o demônio do submundo que assumiu aquela forma para me testar, venceu. Eu fiz tudinho o que ele queria que eu fizesse, e agora não restava mais nenhum ser humano para proteger da Equipe Rocket. Todos eles foram varridos da existência. Eles tinham que ser protegidos era DE MIM. Mas era tarde demais para se lamentar.
A Sombra olhou para mim, bem no fundo dos olhos e então, disse as palavras que eu mais gozado em pronunciar nos últimos meses:
"Maldição."
Senti meu coração parar. Meus pulmões paralisaram e de repente, não havia mais como respirar. Meu cérebro entrou em desespero à medida que meus vasos sanguíneos iam ficando com cada vez menos circulação de oxigênio e cada vez mais intoxicados por dióxido de carbono. Meu diafragma havia ficado duro como pedra, e minhas pernas não puderam evitar a queda. Eu sentia Medo. Raiva. Frustração. Enjoo. E, sobretudo, NOJO de mim mesmo!
BLAM!
Tombei no chão, os olhos abertos. Entrou terra. Não pude fechá-los. Faleci antes de ter forças para fazê-lo.
Game Over, Red. Game Over.
Acordei engasgado.
Estava chovendo. O clima poderia facilmente variar de sol do verão a uma tempestade selvagem nas Ilhas Sevii, em questão de minutos. O cheirinho que emanava da cozinha estava bom, mas eu me sentia tonto, enjoado.... Desde que Green, Blue e Yellow foram transformados em estátuas, eu perdi a vontade de continuar minha jornada... Então eu decidi ir para a casa dos meus sogros. Ali era calmo, tranquilo e seguro. Eu me sentia confortável, embora o cheirinho das roupas de minha amada Yellow ainda infestasse o ar e me fizesse sentir vontade de arrancar o próprio coração do peito, assim como a Sombra fez com Sird, em meu devaneio noturno.
Trombei com meu cunhado a caminho do banheiro.
"Já está acordado, Reddy? Eu fiz o seu café."
"Obrigado, Emerald. Eu fico realmente muito grato por ter feito para mim, mas eu não estou com fome..."
"Mas, Reddy! Você já emagreceu 17 quilos, você precisa se alimentar!"
"Eu sei, baixinho... Eu sei..."
E então dei as costas a ele, sentindo-me um lixo sobre duas pernas (se não fosse pelo Emerald, eu não teria conseguido sobreviver! Mas como eu era ingrato!), e entrei no banheiro, onde empurrei para dentro a minha medicação. Era ela que me mantinha calmo, mas também era ela que me tirava a fome e me dava tudo quanto é tipo de pesadelo, todos os dias. Me disseram que eu podia ser bipolar, ou talvez até borderline, mas que eu tinha que pagar não sei quantos mil para fazer uma avaliação e poder ser encaminhado para a farmácia correra, torrar mais grana com drogas ainda mais caras. Mandei tomar no uc, esses "terapeutas" capitalistas! No fundo, eu acho que eu só sou uma criança fod***a das ideia por ser órfão de pai e aliciado por uma quadrilha num mundo que prioriza dinheiro e bens materiais em detrimento da vida... Que inferno! Eu não estou mais vivendo! Eu me sinto morto por dentro, e isso é uma coisa que eu não seria capaz de desejar nem para o meu pior inimigo. Nem mesmo para aqueles que (ainda) estão a me perseguir...
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