Crônica: O Segredo

Jéssica era uma fã obcecada de Pokémon. Daquelas que comprava tudo o que via sobre a franquia. Desde revistas com pôsteres até cartas de TCG, ursinhos de pelúcia e camisetas que estampavam Pikachu e suas típicas bochechas eletrizantes. Durante anos de compras, perdeu as contas de quanto dinheiro gastou com seu fanatismo absoluto. Calculava que mil reais não pagava nem a metade de sua honrosa coleção.
Honrosa. Tsc. Esse era o problema. Ela não se importava de trabalhar dia e noite para juntar dinheiro e então gastar com plushies e mangás da série. Ela se importava era com o que os outros diziam. Sofrera bullying desde cedo dos colegas de escola, porque ela, uma adolescente como todas as outras, não se preocupava em namorar, se maquiar, se arrumar ou ir ao shopping, mas só em ficar em casa, enfurnada em um calor de quarenta graus, postando fanfictions para poucos lerem, e pior: sobre Pokémon. Coisa de criança. Isso era tudo o que Jéssica mais odiava ouvir.
E com anos de preconceito acumulado, a raiva se transformou em vergonha. Transtornada, a coitada decidiu manter tudo em segredo. Guardou sua vida particular, seu hobby excessivo completamente em segredo, com vergonha do que os outros iam pensar dela, ainda mais agora, na faculdade. Até seus pais notaram a diferença. “Está finalmente crescendo”, diziam eles, o que só a deixava mais frustrada. Ela chorava todas as noites, com medo de alguém descobrir seus posts teorizando sobre quais as próximas megas do próximo jogo da franquia, ou dos vídeos que ela publicava secretamente no youtube, onde postava detonados de todos os jogos, que ela fizera questão de comprar.
Um dia, no entanto, lá pelo fim do semestre, Jéssica esbarra com um calouro na universidade. Diego. Esse era seu nome. Um rapaz alto, magro, esbelto, cabelos negros sedosos, olhos azuis, abdômen definido e aquele sorriso lindo que clareia no escuro. Trabalhava em um escritório de contabilidade, um rapaz sério, interessado tanto em literatura quanto nos números. Jogava videogame aos finais de semana e curtia pegar um cineminha.
A partir do primeiro diálogo, tudo se desenrolou muito rápido. Eles tomavam sorvete juntos toda noite, iam ao parquinho só para ficarem a sós, e então... Muá. O primeiro beijo. Em um mês, estavam namorando. As antigas amigas de escola, e até mesmo os pais de Jéssica, ficaram muito felizes de saber da novidade. “Finalmente”, era o que diziam. Mas Jéssica não estava mais nem aí para os comentários. Ela só queria o Diego. Diego. Diego. Diego!
Em pouco tempo, ela percebeu que não poderia mais viver sem ele. O jovem contabilista já era importante demais em sua vida. Até a convidara para conhecer seus pais, o que só provava que ele era digno de tê-la como namorada. Um rapaz sério, carismático, bondoso e certinho. Ele era o pedaço que faltava, como carne e unha. A segunda metade da laranja. Ele fazia tão bem a ela, que Jéssica não podia deixar de pensar no que aconteceria quando ela contasse... Quando ela contasse a aberração que era.
Um dia, sozinhos em casa, Jéssica jogou uma pergunta a Diego, como quem não quer nada, para ver como ele reagiria.
— Amor... Você... Tem alguma obsessão?
Diego ficou quieto. Coçou o queixo e então disse:
— Além de você?
Ela revirou os olhos. Não era o momento para aquilo.
— É. Além de mim.
— Acho que tenho. — disse ele. — Por quê?
— Eu...
Jéssica parou para pensar um momento. Será que deveria contar? Sim. Deveria. Diego sempre fora tão gentil com ela. Não abandonaria no momento de confissão. Talvez ele até a ajudasse com seus projetos de fã. Por que não? E então tomou coragem. Contou. Tudo.
— Eu... Eu sou fã de Pokémon!
Diego parou. Olhou para ela. E então perguntou:
— Pokémon?
A estas alturas, ela já estava toda vermelha. A vergonha lhe invadindo o pensamento.
— É, Pokémon. Você sabe... Os monstros de bolso! — Obrigou-se a dizer, visto que Diego não parecia ter captado bastante a essência do que ela dissera.
O rapaz então ficou estático, e o coração de Jéssica começou a acelerar. No que estaria pensando?
— Pokémon, Jéssica? Pokémon?
Então o coração da fã começou a apertar. Aquilo se parecia com um dos comentários que ouvira a vida inteira. Ele estava prestes a condená-la, a julgá-la. Ela sentia. Era como se fosse uma traição, seu coração estava se partindo. Ela estava perdendo a confiança. Mas manteve-se firme e disse, com todas as letras, movida pela fé cega que depositara na série:
— É. PO-KÉ-MON! — Suspirou e então continuou — Tem... Tem algum problema com isso?
Diego suava frio agora. Parecia que agora era ele que estava ficando nervoso. Ele parecia prestes a fazer uma confissão. Talvez ele também tivesse um guilty pleasure, Jéssica pensou. Talvez ela estivesse aquele tempo todo pensando só nela e não parou para reparar que seu próprio namorado, a quem tanto amava, em quem tanto confiava, também pudesse sentir vergonha de alguma coisa que gostava. Talvez ele também sofresse do mesmo mal. Talvez ele também tivesse passado maus momentos por causa disso, talvez ele tivesse chorado dias e noites, assim como ela, pedindo por trégua. Por um fim no preconceito. Ah, como fora tão cega? Como não percebera isso antes?
E então, movida por piedade, ela segurou a grande mão dele com ternura, afagou-a e disse baixinho:
— O que foi, meu amor? Pode falar...
Diego abriu a boca lentamente, olhando-a no fundo dos olhos, e disse:

— Pokémon, Jéssica? Isso não é... Coisa de criança?

Um comentário:

  1. Eu não estou bem, serio Kevin, você devia ser preso. Como você pode fazer isso com as pessoas, isso é crime!
    Gostei muito da crônica, apresentou as informações de forma dinânica e foi direto ao ponto. Sobre Jéssica, acho que existe um pouco dela na maioria das pessoas que gosta de Pokémon e você retratou isso de uma forma incrivel, muitas pessoas vão se identificar com ela.
    Já sobre Diego e esse final, eu estava esperando que ele tambem gostasse, mas ai seria pedir o final feliz e perfeito. É um final que não parece final e você fica procurando o resto, o que só torna a crônica ainda melhor. Meus parabéns, adorei e é uma otima forma de pessoas como eu, que não gostam de acompanhar ou não tem tempo para ler fanfics longas continuar lendo sobre Pokémon

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