Era nove E DOIS quando eu cheguei no local combinado e o diabo já estava lá, de bracinhos cruzados, batendo o pé no chão de ansiedade. Quando ele pôs os olhos em mim, deu aquele sorrisinho debochado e disse:
— Você está atrasada.
Se havia uma coisa que eu ODIAVA era que me provocassem, e isso Julien sabia fazer como ninguém. Eu sou Nemona, a pessoa mais competitiva que você vai conhecer hoje e eu não tolero que me coloquem em um desafio e esperem que eu vá perder. Eu não cedo, eu passo por cima.
— Não no meu relógio. — disse eu, com um sorriso igualmente falso para contra-atacar o dele. — Nove horas em ponto.
— Então o seu relógio está errado. Eu ajustei de acordo com o horário OFICIAL quando vim para este PAÍS, sabe? Para não me perder no fuso horário... — disse-me Julien de volta. Aquele moleque estava pedindo para apanhar.
— Ah, então é isso... Vai ver você caiu da cama mais cedo, pensando que ainda estava no horário da sua região, mas se esqueceu que AQUI não é LÁ... E afinal... Como é o nome mesmo? Daquele LUGARZINHO de onde você veio?
Julien me dirigiu um olhar de "dane-se" e disse simplesmente:
— Holon.
— Ah, é. Tanto faz. — Retruquei.
Julien fechou a cara. Bem feito. Como o próprio Diretor Clavell fazia questão de me lembrar, eu tinha um dom para fazer com que as pessoas me odiassem. E eu me orgulhava disso. Gente vazia não merece gostar de mim. E Julien era só mais um pé no saco, uma goma de mascar que ficou presa debaixo do meu sapato e não quis mais sair... E tudo graças ao nosso Diretorzinho querido, que insistiu que ele viesse comigo em minha Jornada Pokémon, que já estava planejada há séculos e acredite, era para eu ir sozinha.
Agora ele estava lá, me provocando com um "você está atrasada", como se não fosse EU PRÓPRIA que decidisse o horário que eu queria sair na MINHA jornada.
Hmpf. Esse cara era insuportável.
Mas para minha surpresa, assim que terminei de humilhar a cria do demo, Julien faz uma coisa que me deixa boquiaberta...
— Toma. — diz ele, me entregando um celular novinho em folha, que ele puxou do bolso. DO NADA.
— O que é isso?
— Um Rotom Phone de última geração, ué!
Foi nesse momento que eu percebi que ele próprio também tinha um. Tratava-se de um smartphone super atual, com duas câmeras traseiras e em suas "costas", havia a carinha de um Pokémon de verdade, que sorria e piscava para mim: Um Rotom, originalmente do Tipo Elétrico e Fantasma, que habitava o aparelho eletrônico, dando-lhe vida.
— O que é isso? Está tentando me comprar também? — Perguntei.
— Não, ainda não. Quando eu precisar te comprar, acredite, você SABERÁ. — respondeu ele, de um jeito meio irônico. Ou melhor... COMPLETAMENTE.
— Hmmm... Isso é bastante suspeito... O que você ganha me dando um item tão valioso quanto este?
— Olha, Nemona... Eu sei que você tentará me descartará na primeira oportunidade que encontrar. Mas com ISTO AQUI, um Rotom Phone, eu jamais me perderei, não importa em quantas valas você me atire. Ele funciona mesmo em locais remotos, porque possui um sistema de localização via satélite, permitindo que eu faça ligações distantes. O mesmo vale para você... Já que estamos saindo em uma jornada juntos, nada mais justo que possamos nos comunicar, não é? E se nos perdermos, basta um clique para que voltemos a nos encontrar. Além disso, ele vai funcionar perfeitamente para mim graças à função da pokédex, já que eu sou um COLECIONADOR.
— Eu ouvi dizer que foi o Professor Jacq que inventou o aplicativo da Pokédex disponível no Rotom Phone. Mas... Embora pareça tentador, devo recusar. Muito obrigada, baixinho, mas eu não caio nessa.
— Larga mão de ser durona e aceite logo o presente. Eu não quero Nada em troca. Eu prometo!
— Tá bom... E eu acredito... — Só que não.
— Nemona, só pegue o Rotom Phone, okay? Se você não gostar ou achar que não será útil na jornada, aí você me devolve.
Ponderei por um instante. Aquele smartphone era novinho, não tinha um arranhão sequer na tela e o Rotomzinho dentro dele parecia tão amigável... Eu queria um para mim. De verdade! (Quem não iria querer?) Mas a fonte deste presente era meio... Suspeita? O que eu deveria fazer? Por fim, tomei uma decisão que embora me parecesse errada, o que fazia eu me sentir culpada, talvez tenha sido boa, no fim das contas.
— Tá bom, então... Obrigada? — Peguei o Smartphone Rotom para mim e Julien abriu um sorriso.
— Agora estamos nos entendendo. — disse ele, todo alegre.
— Você AINDA não me comprou, nanico. — Respondi friamente, de olho em cada jogada de Julien. E ele ironizou minha própria fala:
— "Ainda".
Eis então que eu sou salva pelo gongo. Nossa condução surge, adentrando os portões da escola aos trancos.
— Ah, aí vêm eles. — disse eu, mais para mim mesma do que para Julien.
— Eles quem? — O novato pareceu não entender do que se tratava.
Neste instante, um carro pra lá de excêntrico, movido à força Pokémon e que parecia VOAR ao invés de rolar pelo chão, com lataria vermelha e decalques de vívidas chamas na cor laranja em conjunto com luzes de led amarelas por toda a estrutura, cintilando como ouro, estaciona na base da escada, e é para ele que eu imediatamente me dirijo.
— Sirius... Betelgeuse! Há quanto tempo?! — disse eu, cumprimentando as duas pessoas que se sentavam à frente no carro com um bro fist, através da janela do lado direito, cujo vidro havia sido rapidamente baixado pela dama.
Sirius era um cara musculoso, de cabelos relativamente compridos para um homem, que utilizava o uniforme da Equipe Naranja de uma maneira totalmente desleixada. Enquanto segurava o volante, protegia-se com um capacete e óculos de sol com o formato de estrela. Já Betelgeuse, sua namorada, era membro da Equipe Uva e tal como o motorista do velho calhambeque, trajava o uniforme da escola de maneira inadequada. Esta era uma maneira bem peculiar deles criticarem o sistema de ensino que tanto odiavam. Reprovados em TODAS as matérias, eles jamais conseguiram se formar na Academia Pokémon e saíram de lá com a fama de serem os piores alunos que a instituição já teve, mas seguiram usando seus velhos uniformes, só para provar que mais importante do que se dar bem na escola era preciso se dar bem NA VIDA. Afinal, olha para eles agora... Empreendedores, donos do próprio negócio. Se isso não é sucesso, eu não sei o que é.
— Nemona! — Sirius parecia realmente feliz em me ver, o que não era raro vindo dele. Se você parar para pensar, ninguém na escola realmente gostava de mim, exceto talvez por Flora, minha melhor amiga desaparecida. Sirius, no entanto, era gente boa. Quando eu aprontava, era ele quem me acobertava. E Betelgeuse, que surgiu em sua vida bem depois, também era uma transgressora. Uma mulher forte e indisposta a se conformar com qualquer imposição. Sirius realmente tirou na loteria ao encontrá-la e eu fico feliz por ele. Aliás, fico feliz pelos dois, porque ambos são demais!
Entrei no carro e arranjei um lugar no banco traseiro, logo atrás de Betelgeuse. O diabo, digo, Julien, entrou pelo outro lado e ficou atrás de Sirius. Mas ele ainda não parecia compreender o que estávamos fazendo... Ele me perguntou, cochichando:
— Quem é essa gente?
Mas não adiantou diminuir o tom de voz, porque Sirius e Betelgeuse estavam ligados. A moça virou o corpo inteiro para trás e falou:
— EU sou uma Estrela prestes a "entrar em Supernova". Ninguém sabe o que esperar de mim. Filha do cosmos, a Rainha de todos os elementos, explodindo e espalhando a todos os lugares a QUÍMICA que aparentemente falta em você, garotinho sem-sal. Betelgeuse, é meu nome. Mas só Bete já basta.
— Você pode me subestimar por ter a menor magnitude do céu noturno, mas em termos técnicos, isso significa que eu SEI como brilhar! Parte do Hexágono do Inverno, minha luz alva clareia sua visão quando este mundo jaz banhado em trevas. Sirius, sou eu, no controle deste foguete rumo ao espaço sideral.
E juntos, os dois concluíram o lema que obviamente tinha sido decorado:
— Você não pode nos olhar diretamente sem que seja cegado. A Team Star te traz e te leva para QUALQUER LADO!!!
Julien não se convenceu. De fato, isso só o deixou ainda mais confuso... Então fiz o esforço de ser boazinha e expliquei:
— Eles são da Team Star ou Equipe Estrela, a maior empresa de transporte privado de toda a Região de Paldea. Dãã.
— Então eles são basicamente... UBERS?!
— Isso mesmo, nanico. — confirmei, com os dentes cerrados. — Agora CALE-SE e jamais mencione o nome de uma companhia rival em frente a eles.
— Peraí, peraí, mano. — Sirius então se vira e encara Julien, com uma voz séria — Como assim você nunca ouviu falar da gente?!
— Isso está fora de nossos cálculos. Onde foi que eu errei no marketing? — Preocupou-se Bete, que era basicamente a gestora de mídias sociais da empresa.
— Ele não é daqui. — disse eu.
— Ah, não? É de onde, então? — Questiona Sirius.
— De Holon. — Respondi na inocência. E para minha infelicidade, esse foi um gancho para mais uma de Julien:
— Veja só... Você lembrou do nome do lugar de onde eu vim. Parece que Holon não é tão "esquecível" assim, afinal...
Ai, que ódio.
— Então, para onde querem ir? — Perguntou Sirius, que estava completamente alheio à indireta do infeliz do meu parceiro de viagem, ou melhor, do fardo que Clavell me obrigou a carregar.
— Para a Cidade Glaseado, mais especificamente para o ginásio de lá. — Respondi, também ignorando aquele pivete que fazia questão de se meter onde não era chamado.
— Essa será uma corrida e tanto. — disse-me Sirius. — Glaseado fica bastante longe daqui.
— De fato. No extremo norte de Paldea. Vamos ter de lhe cobrar o preço cheio, Nemona. — Informa-me então Betelgeuse.
— Ah, mas por ESTA viagem eu não vou pagar NADA. — disse imediatamente eu, que tinha tudo sob controle. — Afinal vocês estão me devendo uma, não?
Sirius e Betelgeuse imediatamente apertaram os cintos e olharam para frente, com Sirius confirmando:
— Está bem, mas depois dessa, não deveremos mais.
— Fechado.
Amarrei o cinto e me preparei para a partida. No passado, eu fiz um favor a Sirius e ele ficou me devendo. Agora, estávamos finalmente quites. Ele deu a partida e o "Starmobile", como eram chamados os veículos da Team Star, roncou devido à força de tração, e logo arrancou em alta velocidade.
— Então... Você vai sair em uma jornada Pokémon DE CARRO? É a primeira vez que eu vejo isso... — Perguntou-me Julien. E eu até poderia fingir que não havia escutado, mas eu não consigo ignorar ignorante.
— Se você quiser ir a pé, podemos te largar aqui. — disse eu, seriamente pensando em abrir a porta e chutar Julien para fora, com o carro ainda em movimento.
— Ah, não. Obrigado. Estou disposto a ficar junto de você e ver a sua derrota no Ginásio.
— COMO É QUE É?! — Já fui colocando a mão no trinque da porta.
— Assim... Que eu saiba, as pessoas costumam TREINAR seus Pokémon antes de enfrentarem os ginásios... Capturar novos monstrinhos, montar um time realmente forte... Ir direto para um ginásio em seu primeiro dia de jornada é BURRICE.
— Escuta aqui, garoto... E quem foi que te disse que eu não tenho um time bem treinado? Como eu disse, estou planejando minha jornada há anos.
— Mas você não acabou de receber o seu Pokémon Inicial da Professora Sada?
— Você está falando da Clefairy? Não, ela não é a única Pokémon que eu tenho. Além do mais, Sada me deu este Pokémon para que eu ajudasse na busca pelo seu filho. E ela me deu por pura e espontânea vontade. Eu não precisei pagar um centavo por isso!
Então, ouvindo nossa conversa, Sirius se manifesta:
— O engomadinho sumiu, não é? — Era assim que ele se referia a Arven: o "engomadinho". — Eu fiquei sabendo disso...
— Sentimos muito pelo mesmo ter acontecido com Flora. Sabemos o quão especial ela é para você, Nemona. — Complementou Bete, que realmente estava compadecida com a situação.
— Está tudo bem. Eu vou encontrar os dois. Foi por isso que eu deixei a escola!
— disse eu, batendo no peito com confiança.
— E o Clavell DEIXOU que você saísse em uma jornada com este objetivo? — Perguntou Bete, incrédula.
— Lógico que não, mulher! Mas e por acaso eu alguma vez fui de obedecer as ordens daquele velho?
— Essa é a minha garota! — Comemorou Betelgeuse, com muito entusiasmo.
— Papo reto: Clavell não sabe que eu decidi adiantar meus planos de sair em uma jornada pelo sumiço da Flora. Eu pretendo encontrá-la sozinha, mas como o velho morre de medo de que algo possa acontecer com os seus estudantes, eu precisei mascarar minha saída da escola com o meu sonho de conquistar o título de Campeã e, é óbvio, precisei fazer o sacrifício de trazer esse... Esse.. Esse... (Qual é a palavra mesmo? Embuste?) MENINO aqui do meu lado, porque Clavell não está mais liberando pesquisas individuais, por medo de que mais gente venha a desaparecer.
— Uaaaau! Você continua furiosa como sempre, garota! — Elogiou-me Sirius, com um enorme sorriso no rosto. Aparentemente, foi ele quem me criou assim.
— Então quer dizer que Sada te deu a Clefairy às escondidas, foi isso? — Questionou Julien, que finalmente estava entendendo a situação.
— Não se esqueça que o seu Pikachu também foi dado escondido. Afinal, tanto vender quanto COMPRAR Pokémon é ilegal em Paldea. — Num instantinho, Julien ficou quieto. Toma! — Agora, por favor, Sirius... À todo vapor para o Ginásio Glaseado. Hoje eu estou a fim de liberar minha fúria na PANCADARIA.
— Isso! Bota pra fora, guria! Bota pra fora! — Incentivou Sirius. Parece que hoje, um pobre Líder de Ginásio que não tinha culpa de nada, estava prestes a ser humilhado.
Glaseado ficava ao norte de Paldea, no topo de uma montanha gelada. O clima lá era diferente do resto da região. Era frio. E quando eu digo frio, eu estou falando de NEVE. Mas eu estava tão empolgada para minha batalha de ginásio que a temperatura extremamente baixa do local não pareceu me afetar. Assim que chegamos na cidade, Sirius e Betelgeuse nos largaram e então, sua dívida comigo estava paga.
— Boa sorte na batalha, guria. — Desejou-me Sirius, através da janela do carro, com a mão acenando para fora.
— E não se esqueça dos velhos amigos quando se tornar a Campeã! — Lembrou-me Bete.
— Pode deixar.
E assim, o carro partiu de volta na mesma direção de onde veio. Julien e eu estávamos sozinhos em Glaseado.
— Brrr... Esse lugar é mesmo frio... — disse ele, que aparentemente estava congelando no uniforme curtinho da escola. — Onde será que é o ginásio?
— Está vendo aquele prédio grande com uma pokébola na parede? — Apontei para a construção mais alta por ali perto.
— Dentro da Pokébola está o símbolo mais importante da Estrada da Vitória: Cada um dos oito ginásios da região estão identificados por este símbolo, em maior ou menor escala. Após derrotar todos os oito, o treinador então tem a possibilidade de lutar contra a Elite 4 e, finalmente, disputar o cobiçado título de Campeão. Esse é meu maior desejo. Mas você deve saber disso, não é? Porque já sabe tudo sobre a minha vida e a relação com a minha irmã...
— Uau... Eu nunca vi um ginásio de perto, nem sequer assisti uma batalha de ginásio ao vivo. — Julien parecia verdadeiramente deslumbrado. — Em Holon não há ginásios nem uma Liga Pokémon... Bom, pelo menos até agora. Acho que vai ser divertido poder te assistir na luta.
— "Me assistir perdendo", não foi o que você disse?
— Bem... Eu só vou ter certeza da sua vitória depois que você vencer... — disse-me então o nanico, o que me deixou mais motivada ainda a derrotar aquele ginásio. — Agora... Eu preciso me trocar!
Entramos no prédio e logo que passamos da porta, fomos atendidos por um recepcionista. Ele usava um terninho preto que continha o símbolo da Liga Paldea no blazer, e tinha o cabelo lambido.
— Sem bem-vindxs ao Ginásio Glaseado! — disse-nos ele, esbanjando simpatia. No entanto, antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa, ele é interrompido por alguém que vinha por trás. Era uma pessoa toda andrógina, coberta de roupas de lã, que aparentemente tinha um papel autoritário dentro daquele prédio, pois já chegou pedindo para o recepcionista se afastar...
— Deixa comigo... — Disse a pessoa, colocando-se à frente do moço.
— Tem certeza, G? — Perguntou o recepcionista.
— Tenho. Eu assumo daqui.
E então, o de terninho volta para o seu lugar, recuando novamente para trás da mesa da recepção.
— Eu te conheço de algum lugar... Por acaso você é a irmã caçula da Geeta? — Perguntou-me a pessoa, que tinha uma voz doce e fina, como soprano, embora eu não me lembrasse de já tê-la visto antes.
— Sim, sou eu. Nemona, meu nome. Eu estou aqui para desafiar este ginásio.
— Então está aqui para lutar contra MIM. Eu sou Grusha, Líder do Ginásio Glaseado. Muito Prazer!
— Então é você quem eu devo derrotar, hum? — Analisei Grusha da cabeça aos pés. De cabelos longo e sedosos, tingidos em um lindo tom azul bebê, continha ainda mechas mais escuras, que davam uma sensação de harmonia com a roupa que estava usando; um cachecol de pokébola e botas de borracha peludinhas por dentro, próprias para andar na neve. Trajava luvas e um casacão grosso de lã e graças à manta presa no pescoço, praticamente 95% do seu corpo estava coberto, ficando de fora apenas os gélidos olhos azuis. Um especialista no tipo Gelo, sem sombra de dúvidas.
— Sou eu sim. — Respondeu Grusha. — E antes de mais nada... Meus pronomes são oficialmente el/del, mas você também pode utilizar ele/dele ou ela/dela. Já aviso de antemão apenas para evitar constrangimentos.
— Oh, tudo bem!
— Eu, assim como todos os Líderes aqui em Paldea, costumo normalmente solicitar ao desafiante que cumpra um desafio antes de me enfrentar. Mas hoje é o seu dia de sorte... Esta é a minha última chance, e eu quero acabar com isso logo de uma vez. — Eu não fazia ideia do que Grusha queria dizer com esta ser a sua última chance, mas nem deu tempo de processar, porque ele já nos conduziu ao campo logo em seguida. — Por aqui, acompanhem-me.
A pista era parecida com uma quadra de vôlei ou tênis. A diferença é que cada um dos treinadores deveria se posicionar em um dos cantos da quadra e deixar que seus Pokémon preenchessem o meio com seus movimentos e habilidades. Era bastante simples e ficava do lado de fora. Minha única preocupação era caso o tempo piorasse e uma nevasca começasse a fustigar, o que a julgar pelas nuvens lá em cima, era bem provável de acontecer. Mas Grusha parecia estar com pressa. E eu também. Ele pulou a parte do desafio porque queria batalhar comigo de uma vez e eu não reclamei. Aquilo era ótimo. Eu estava LOUCA para extravasar toda a minha frustração em uma batalha, e se havia alguma coisa que eu sabia fazer com maestria, era me expressar através de uma luta.
— Quantas insígnias você já tem? Quer dizer... Quantos Ginásios aqui em Paldea você já derrotou? — Perguntou-me Grusha.
— No momento, este é o primeiro Ginásio que estou a desafiar.
— Oh, muito bem. Então devemos utilizar apenas 2 Pokémon em batalha, cada.
— Só dois?
— Exato. Embora o nível de progressão em todos os ginásios seja sempre o mesmo, para que os desafiantes possam começar em qualquer ordem, temos uma regra de definir a quantidade de Pokémon utilizados para cada partida baseada na quantidade de insígnias que o desafiante já possui. No seu caso, como não possui nenhuma, só será permitido o uso de dois Pokémon para cada.
— Entendi.
— E quanto à dificuldade... Para que esta seja uma batalha JUSTA, todos os nossos Pokémon utilizados terão seus níveis artificialmente Aumentados ou Diminuídos para o Nível 50. Assim, todos estarão nas mesmas condições assim que a partida começar.
— E como você fará isso?
— Coloque suas Pokébolas ali.
Grusha apontou para uma máquina como aquelas do Centro Pokémon e sobre ela, depositei minha pokébolas. Só que ao invés de recuperar o HP dos Pokémon que estavam dentro, a máquina alterou seus níveis para que todos ficassem estáveis, no 50. O mesmo ocorreu para os dois Pokémon escolhidos por Grusha, que também fez uso da máquina logo na sequência.
— Bom, hoje o dia está cinza e eu quero terminar esta partida logo. Está tudo bem para você? Podemos começar?
— Só se for AGORA!
E assim, com cada um dos treinadores posicionados em um lado oposto da quadra, tem início a minha partida contra Grusha.
— Como líder deste ginásio, devo mostrar meu Pokémon primeiro. Então vaaaai...
— ...EEVEE!!!
Grusha arremessou sua primeira pokébola ao alto e de dentro, eis que sai Eevee, um tipo NORMAL.
— Um Eevee?! — Perguntei, surpresa.
— Por essa você não esperava, não é?
— Não mesmo! Eu vim primeiro para este ginásio porque SABIA que ele era especialista no tipo Gelo, um dos tipos mais FRACOS dentre todos os existentes, senão o mais.
— Não se deixe enganar, desafiante. Os tipo Gelo podem ter a fama de serem péssimos na defesa, mas um Líder de Ginásio sabe como extrair o potencial MÁXIMO de um Pokémon. Então aqui, dentro deste ringue, não há melhor ou pior tipo, há somente melhor ou pior estratégia. — devolveu-me Grusha, que pareceu não gostar do que eu falei sobre seu tipo favorito.
Em todo caso, o meu oponente era Eevee, um tipo Normal, que era neutro. E neste caso eu deveria usar...
— Quaxly, meu parceiro! Assuma este compromisso!
— Que Pokémon é esse? — Perguntou então Julien, que eu até havia me esquecido que estava comigo este tempo todo. Desde que eu entrei naquela batalha, eu havia deletado o mundo ao meu redor, prestando atenção unicamente no que eu estava prestes a fazer: vencer aquela partida.
Então, antes que qualquer um de nós respondesse, o seu Rotom Phone saiu do bolso e lhe deu a resposta, com uma precisão cirúrgica:
— Quaxly, do tipo Água. Este Pokémon sério seguirá o rastro de seu treinador. É arrumado e, especialmente, não gosta de sujar a cabeça. Bzzzt. Seu corpo é sempre brilhante porque o gel secretado por suas penas repele a água e a sujeira. A touca em sua cabeça é alisada para trás usando um creme rico e úmido, e fica despenteada quando seca. Quaxly tem pernas fortes e consegue nadar sem dificuldade mesmo em locais com fortes correntes. Na batalha, ele chuta seus oponentes rápida e repetidamente. Bzz.
— Aproveitando o ensejo, Rotom Phone, por favor, analise o Eevee também. — Pediu Julien.
— Eevee, do tipo Normal. Bzzz. Um Pokémon raro com um código genético irregular e instável, então pode evoluir de várias maneiras. Ele pode sofrer mutação se for exposto à radiação das pedras de evolução, sendo capaz de se tornar para qualquer uma de várias formas avançadas altamente distintas. Ele tem a capacidade de alterar a composição de seu corpo para se adequar ao ambiente circundante, permitindo que ele se adapte de maneira harmoniosa e perfeita a qualquer local. Ele evolui se seu ambiente mudar. Estudos atuais mostram que ele pode evoluir para oito espécies diferentes de Pokémon incríveis. A questão de por que apenas Eevee tem genes tão instáveis ainda não foi resolvida. Seus genes são tão facilmente influenciados pelo ambiente que até seu rosto começa a se parecer com o de seu treinador. Os genes de Eevee são a chave para resolver os mistérios da evolução Pokémon. Bzzzt.
— Uau. Esse aplicativo é mesmo muito bom. — Comentou Grusha. — E agora, ele acaba de me dar uma DICA de como vencer este Quaxly em batalha.
— Pois palavras são só palavras. Quando você nos vir em ação, descobrirá que somos muito mais ágeis e fortes do que esta mera descrição do Rotom Phone. Quaxly, vamos lá! Domine esta batalha por mim!
— Quac, quac, quac! — Quaxly saltitou alegre e feliz, mas logo após esta breve comemoração, seu olhar mudou. Ele ficou mais sério. Havia entrando no Modus Operandi.
— Eevee, que tal mostrar a eles os seus Olhos Ternos? — Sugeriu Grusha, e no mesmo instante, Eevee deu uma piscadinha fofa para Quaxly, soltando coraçõezinhos cor-de-rosa de pura energia, que atravessam o campo de batalha e penetram as penas de meu Pokémon, que a princípio deveriam ser impermeáveis, reduzindo seu stat de Ataque Físico em um estágio.
— Oh, então você quer diminuir a nossa força? Mas isso de nada adiantará contra meu Quaxly... — Peguei então em meu bolso um item que meus colegas da Equipe Uva tinham inveja por eu possuir e eles não: um Tera Orb.
Arremessei-o sobre a cabeça de Quaxly e BOOM! Meu parceiro de combate começou a se transformar, substituindo suas sedosas penas por uma pele feita de cristal reluzente, poluindo o ambiente do ginásio com muito brilho. E um chafariz estático cresceu sobre sua cabeça, como uma coroa dignamente carregada por alguém que esbanjava tanta luz.
— Este é... O Fenômeno Terastal?! — Surpreendeu-se Julien, que assistia a partida de longe, na plateia. — Mas eu pensei que neste ano, somente os alunos da Equipe Naranja tivessem acesso à esta mecânica!
— E de fato, somente eles têm. — confirmei. — Mas este daqui não pertence à escola. Este aqui é MEU e eu o tenho desde antes de entrar na Academia. Foi um presente de minha irmã, Geeta, a presidente da Liga Paldea. Por isso, eu posso usá-lo, e meus colegas de equipe, não.
— Então você decidiu apelar pela mecânica Terastal logo no início? — Questiona-me Grusha.
— É claro. Se eu posso buffar Quaxly agora, por que deixar para depois? O Tera Tipo de Quaxly é Água, que é o exato mesmo tipo de Quaxly sem a Terastalização. Isso significa que o poder dos movimentos tipo Água aumentam ainda mais em força do que se o Tera Tipo de Quaxly fosse outro que não o seu tipo original. Isso pode nos dar uma vantagem...
— Quac, quac, quac!
— Eu quero ver se isto é real. Mostre todo o potencial que o seu Quaxly pode chegar! — Desafiou-me Grusha. E se havia uma coisa que eu ADORAVA era ser desafiada.
— Pode deixar! Quaxly, Arma d'Água! Vai!
Quaxly abre a boca e a partir dela, faz jorrar um jato de água pressurizada que é lançado contra o oponente. Por mais que aquele fosse um ataque básico deveras elementar, Quaxly estava agora no nível 50 e com a ajuda da Cristalização Tera, o golpe estava ainda mais forte, causando muito mais dano que o convencional e explodindo como uma exagerada chuva de cristal reluzente. Eevee é arremessado para longe com o impacto do ataque.
— Uau. Você é forte. — Elogiou-me Grusha. Mas el não parecia surpreso. Estava, na verdade, era a me avaliar.
— Você ainda não viu nada.
— Hmmm... Interessante. — Analisa-me Grusha — Este é o tipo de atitude que se espera de um Líder de Ginásio. Eu me pergunto se você não ficaria bem no meu lugar. Geeta deve ter muito orgulho de você.
Eu não sabia o que Grusha queria dizer com eu ficar bem no lugar del, mas sabia que aquele nome, Geeta, era um gatilho para mim. Aqueles que me observavam de fora, como Grusha aqui, elogiavam a minha postura rígida dentro de uma batalha e achavam que minha família deveria sentir orgulho disso... Bem, minha família foi SIM a responsável por hoje eu agir deste modo, mas não de uma forma positiva...
Geeta, minha irmã mais velha e presidente da Liga Paldea, é uma pessoa terrível. Toda a raiva e frustração que sente, ela projeta em mim, desde que eu me lembro. O problema é que diante das câmeras e da mídia (acredite, ela é uma pessoa muito, muito influente), ela me abraça, me beija e diz que sou a melhor caçula do mundo. Quando o show acaba, ela volta a gritar comigo achando que eu estou tentando roubar a cena para tomar sua popularidade para mim.
Volta e meia, no entanto, eu me pego rememorando o dia em que a primeira pessoa de fora da nossa família conseguiu observar os problemas que eu tenho com Geeta. E foi Flora, a minha melhor amiga, que agora estava desaparecida... Hoje, com o discurso de Grusha, foi mais um caso em que esta memória desbloqueou em minha mente, e eu honestamente me sentia deveras ferida toda vez que lembrava da única pessoa que me entendia, e que agora eu não fazia ideia se estava bem, ou pior: se estava VIVA.
Era um dia chuvoso na Academia Pokémon e Flora havia recém sido promovida à minha colega de quarto. Umas semanas atrás, eu a havia defendido de uns valentões e desde então, ela não desgrudou de mim, e disso eu não reclamo. Um minuto de conversa com a Flora e parecia que nós já nos conhecíamos há 300 anos. Ela podia se comunicar comigo somente através do olhar, e falava antes de mim o que eu estava prestes a falar, como se lesse os meus pensamentos... Mas naquele dia, em específico, essa sua leitura estava aprimorada.
Eu estava sentada na cama, em nosso quarto, pensativa, olhando para a parede. Flora se aproximou devagarinho e sem autorização, sentou-se ao meu lado. Eu lembro de que neste momento, eu só queria que ela saísse. Eu só queria ficar sozinha. Mas quando Flora abriu a boca para falar, ela me pegou de surpresa, como um soco no estômago.
— Você não gosta dela, não é?
Nunca antes na vida alguém havia me lido tão bem. A segunda pessoa a conseguir enxergar além do que é exposto na mídia, foi o chato do Julien, mas ele não tinha a mesma sensibilidade que Flora. Ela era diferente. Transcendia.
— O que? Do que você está falando? — Eu me fiz de desentendida.
— Não se faça de desentendida.
Viu só? Ela me lia perfeitamente. Espere! Por que eu estou usando este verbo no passado? Ela ainda me LÊ perfeitamente. Eu quero acreditar que, embora passados tantos dias do sumiço de Flora, ela ainda esteja bem, que ela ainda esteja viva!
— Geeta. Você a detesta. Isso está escrito na sua testa. — Continuou ela.
— Ela demoniza o meu sonho de me tornar Campeã da Liga Pokémon em Paldea. — Por fim disse eu, percebendo que era ineficaz tentar esconder alguma coisa de Flora.
— O que? Por quê?
— Porque ela acha que eu só quero fazer isso para chamar atenção. Para tomar o lugar dela, sabe? Mas a verdade é que... Eu AMO batalhas competitivas. Participar dos ginásios é o esporte pelo qual eu sempre quis virar atleta. Eu gosto das estratégias, das habilidades, dos movimentos, dos itens que ajudam a aprimorar a performance de um monstrinho em batalha... Eu simplesmente AMO esse Universo. Mas Geeta... Geeta parece um buraco negro, tentando sugar todas as minhas inspirações e aspirações. Quando eu estou junto a ela, parece que por mais que eu me esforce, tudo é inútil. Ela sempre está competindo comigo e sempre achará alguma forma de me colocar para baixo.
— Transtorno de Personalidade Narcisista?
— Não sei. Provavelmente.
— Nemona... Para mim, que estou olhando de fora, a saída para este problema me parece simples...
— Hã? Como assim?
— Se estar junto a ela te faz mal, então é simples: afaste-se.
— Eu não sei por quê, mas... Por ela ser minha irmã eu sinto que é errado. Eu... Me sinto culpada por abandoná-la, por não estar mais ao seu lado.
— Nemona, eu sei que palavras não fazem as pessoas mudarem da noite para o dia, mas... Talvez você devesse considerar cortar os laços com a sua irmã em definitivo. Afinal, assim como não se escolhe a cor da pele e a orientação sexual, também não se escolhe o lugar onde se vai nascer, nem as pessoas que fazem parte da sua família...
Aquilo me fez ficar muito, muito pensativa. Em especial, porque Flora continuou, dizendo:
— Às vezes um amigo vale muito mais do que todos os tios, primos e sobrinhos JUNTOS!
E ela estava certa. Flora era esta pessoa... Uma amiga que tinha muito mais valor em minha vida do que minha própria irmã. Mas quando a me afastar de Geeta... Bem, eu ainda estou tendo dificuldades com isso. Veja só: Eu estou em meio a uma batalha de ginásio neste momento e estou a pensar na desgraçada, apenas por uma simples menção a ela, feita por uma pessoa desavisada!
Mas engana-se você se pensa que eu me deixo perder o foco por culpa da Geeta. Não. Eu estou trabalhando para isto não aconteça. Me esforçando muito. Por isso, sempre que o atilho é acionado, eu luto com todas as minhas forças para manter o equilíbrio e continuar fazendo o que eu devo fazer. E neste momento, o que eu deveria me mantar focada, concentrando todos os meus neurônios, era na meta de derrotar Grusha e aquele Eevee que não pertencia ao tipo Gelo.
— Teraexplosão! — Imediatamente gritei, acionando o comando de Quaxly, que começou a brilhar para além do normal em sua forma cristalizada. Então, com uma força incontrolável, tal como um grito de fúria da natureza, Quaxly solta uma bomba d'água extremamente pesada e impossível de se lutar contra, sobre Eevee, explodindo em muitas gotículas cristalinas que tiram dano extra do meu adversário.
Neste momento, Eevee cai e encontra-se com dificuldades para se reerguer. A batalha mal havia começado e através do Terastal, Quaxly e eu tínhamos provado que não estávamos ali para brincadeira.
— Você é realmente muito, muito forte para alguém que não tem nenhuma insígnia ainda... — Pontuou Grusha, que tinha um brilhinho nos olhos. El realmente estava fascinado pelas minhas habilidades em batalha. Mas el sabia que não poderia ficar me admirando por muito tempo, ou a coisa ficaria feia para o seu lado. Por isso, el tomou a iniciativa de fazer uma substituição. — Eevee, retorne!
Ao colocar Eevee de volta na pokébola, Grusha pega uma segunda pokébola e traz para fora o seu segundo combatente:
— Cetitan, assuma a batalha!
— Cetitan? — Nos arredores do ringue, Julien ficou curioso com a espécie de Pokémon que ele nunca havia visto antes. Pegou seu Rotom Phone e imediatamente analisou quem era aquele cetáceo terrestre.
— Cetitan, do tipo Gelo. Bzzz. Ele precisa ter músculos fortes para poder sustentar seus corpos imensos, e ataques físicos usando seus corpos têm um poder incrível. Eles também migram pelas regiões nevadas, protegidos por uma espessa camada de gordura subcutânea. Bzz. Bzz. O chifre na mandíbula superior congela os arredores. Um Cetitan tem cinco chifres duros. Entre eles, o chifre na mandíbula superior é capaz de reunir energia de gelo, tornando a temperatura ambiente extremamente baixa e congelando a área ao redor do Pokémon. Bzzt.
Assim que Rotom concluiu sua leitura, Julien guardou o telefone no bolso e pela sua expressão, pareceu-me que depois daquilo, ele teve a certeza de que eu iria perder.
— Caco de Gelo. Vai!
Cetitan então produz e lança uma esfera de Gelo brilhante, que mais parecia vidro. Na verdade, reluzia tanto que se assemelhava ao Terastal de Quaxly. E com a força de uma bala de canhão, a pedra de gelo atinge e empurra o meu primeiro Pokémon contra as bordas do ringue. Quaxly bate na parede e cai com tudo no chão, ferido.
— Quaxly, aguente firme! Use Arma d'Água novamente!
— Nananinanão! — Interrompeu-me então Grusha. — Somos NÓS que continuaremos no ataque! Cetitan, use Caco de Gelo uma vez mais e depois o parta com seus chifres!
E assim foi. A velocidade de Cetitan se sobrepôs à de Quaxly, muito provavelmente porque o Caco de Gelo é um movimento de prioridade, tal como os Olhos Ternos de Eevee, e isso fazia com que ele pudesse nos atacar primeiro. Mas desta vez, o cetáceo albino fez diferente: ao invés de simplesmente lançar sua bola de água cristalizada contra Quaxly, ele a partiu em vários pedaços primeiro e só depois a arremessou.
Desta forma, com vários estilhaços e pedacinhos miúdos do gelo apontando na direção de um Quaxly que mal havia conseguido se levantar do strike anterior, Cetitan consegue causar ainda mais danos, fazendo então um acerto crítico e, consequentemente, levando Quaxly a nocaute.
Cristais chovem pelo campo de batalhas e tudo termina com uma explosão. A casca que parecia uma fibra de vidro em torno do corpo de Quaxly se parte e a mecânica é desfeita sem dó nem piedade, com o pequeno Pokémon ave indo a nocaute.
— Quac, quac, quac... 😵
— Quaxly está fora de combate. Resta apenas um Pokémon para a desafiante. — Anuncia Grusha, que era também o árbitro da partida.
— Este foi só um contratempo. — Digo pra mim mesma, em voz alta, e então recolho Quaxly de volta à pokébola. — Obrigada, Quaxly. Você foi ótimo, agora descanse.
— Mal posso esperar para saber quem será o próximo. — Diz Grusha, que tentava analisar minha linguagem corporal neste momento. Mas eu não cedi nem recuei, mantive postura firme.
— Clefairy, vai!
— Faaairy!
Minha segunda escolha era Clefairy, o Pokémon que a Professora Sada havia me dado em troca de eu ajudar nas buscas pelo seu filho.
Julien pegou seu Rotom Phone que imediatamente ao escanear e reconhecer Clefairy, começa a falar:
— Clefairy, do tipo Fada. Sua aparência mágica e fofa tem muitos admiradores e é popular popular entre homens e mulheres, jovens e idosos como Pokémon de estimação. Seus números são poucos, no entanto. Raramente é encontrado, vive em locais específicos. Treinadores que os exibem de forma imprudente podem ser alvo de ladrões. Por causa de sua natureza adorável, está em alta demanda como espécie em extinção. Torna-se mais fácil de detectar, por algum motivo, em noites de lua cheia. Noites estas em que grupos deste Pokémon saem para brincar e dançar. A área circundante fica envolta em um campo magnético anormal. Quando o amanhecer chega, os cansados Clefairy retornam aos seus retiros tranquilos nas montanhas e vão dormir aninhados uns contra os outros. Diz-se que a felicidade virá para aqueles que virem uma reunião de Clefairy dançando sob a lua cheia. A luz lunar que pode absorver com suas asas aparentemente lhe dá a capacidade de voar. Banhado pelo luar, suas asas brilham fracamente. Sem sequer bater as asas, Clefairy sobe no ar, onde dança. Bzzz.
— Vamos, Clefairy! Inicie com o Metrônomo! — Rapidamente dei o comando, para que Grusha não tivesse tempo dar a volta por cima e me causar mais prejuízos.
Clefairy então começa a balançar seu dedo indicador para lá e para cá, num tempo certo. Enquanto isso...
— Ataque Tóxico. Agora!
O enorme Cetitan começa então a espirrar gotículas pegajosas em um tom de púrpura muito chamativo. Embora fosse lindo visualmente, tinha um cheiro estranho e enjoativo. Era VENENO. Clefairy estaria oficialmente sendo afetada por intoxicação grave, uma condição anormal de status que reduz o HP do Pokémon, isto é, sua vida, gradualmente mais e mais, a cada determinado período, não fosse por um pequeno detalhe:
— Não funcionou? — Grusha ficou confuso, então expliquei:
— A habilidade de Clefairy é Escudo Mágico, que previne danos indiretos. Isto quer dizer que ela não pode receber danos provenientes de toxinas.
Esta era a nossa maior vantagem naquela batalha. Mas Cetitan tinha outros truques, com certeza. Aquele não era o único.
Então, após o veneno já ter entrado SAÍDO de seu sistema, Clefairy para o que estava fazendo e, ao terminar a movimentação sequenciada dos dedos, solta um ataque aleatório contra Cetitan.
À frente de Clefairy, uma corrente de metal de verdade surge do nada, como se fosse invocada do além. A corrente se estica sozinha, no ar, e avança para o lado oposto do campo de batalhas, envolvendo-se em torno do corpão de Cetitan como uma Seviper traiçoeira.
— Este movimento... É chamado Confiscar. — Pontua Grusha. — Durante 5 turnos, o alvo fica impedido de utilizar seu held item. É uma pena, porque Cetitan não está segurando nenhum item nesta partida, o que quer dizer que você gastou seu turno à toa.
El estava certx. Clefairy não tirou nenhum dano de Cetitan com o Confiscar, mas por outro lado, havia conseguido escapar de uma condição de status, então Cetitan também havia perdido sua jogada.
— Metrônomo de novo! Não pare, Clefairy!
Insisti na mesma técnica. O Metrônomo é um movimento que aleatoriamente seleciona um movimento dentre todos os existentes e o executa, mesmo que o Pokémon não conheça tal movimento em seu arsenal pessoal ou nem seja capaz de aprendê-lo regularmente. Na primeira tentativa, veio o Confiscar, mas quiçá na próxima a sorte não esteja do nosso lado?
E talvez estivesse, porque o próximo movimento convocado pelo Metrônomo era a Bola Elétrica. Acima de seus chifres, Clefairy projeta eletricidade, formando uma esfera altamente carregada, que é então arremessada com toda força contra seu oponente.
— Proteção. — Ordena Grusha.
Cetitan então abre bem os braços e ergue a barriga mole para cima, colocando-se em uma posição defensiva, ao mesmo tempo que um campo de força de luz verde se forma ao redor de seu corpo. A Esfera Elétrica bate na parede telecinética e se debate tentando penetrar na barreira. Por fim, a eletricidade acaba e o golpe falha com Cetitan conseguindo se defender completamente.
— Mais um turno perdido... DROGA! — Eu já estava começando a achar que uma batalha de ginásio era realmente difícil demais para uma iniciante, assim como Julien havia mencionado. Mas eu não poderia desistir. Não. Se minha irmã soubesse disso, zombaria de mim pelo resto da existência.
— Concentre-se. — Diz-me então Grusha, incentivando-me. — Eu sei que você consegue fazer o jogo virar.
— Bom, que a sorte esteja ao meu favor, então... Clefairy, Metrônomo mais uma vez!
Uma vez mais, Clefairy faz a dança dos dedos e invoca outro movimento randômico. Desta vez, no entanto, ela parece ter mirado na direção certa. Ao redor de Clefairy começa a surgir uma energia bruta em tons de laranja avermelhado, que sobe como um gêiser, dando-lhe uma força sobre humana.
— É o Ataque de Força! — Observou Julien.
Clefairy corre em direção a Cetitan e colide contra o mesmo, agarrando-o com as duas patinhas pouco desenvolvidas e demonstrando uma força descomunal ao levantar o gigante e arremessá-lo para longe, causando os primeiros danos contra nosso arrepiante adversário.
— Isso foi realmente muito bom. Eu prevejo que você ganhará esta partida. — diz Grusha, cuja confiança parece ter se esvaído de uma hora para outra. Mas era só um engano meu, porque logo em seguida, el já ordena: — Cetitan, use Aquaríete! Agora!
E Cetitan parte para cima de Clefairy, revidando com um cortante golpe físico. A diferença era que Cetitan era muito mais robusto e suas habilidades no corpo-a-corpo excediam e muito às de Clefairy. O dano foi GRITANTE.
— Clefairy, Metrônomo! — Então ordeno eu.
— O que?! Por que você continua insistindo neste movimento, se não sabe o que pode vir?
— Eu confio em Clefairy, Grusha. Sei que, de alguma forma, ela pode invocar algum movimento superpoderoso capaz de dar conta desse seu Cetitan. Eu até poderia utilizar outro movimento, mas eu tenho certeza que mais cedo ou mais tarde, algo BOM virá.
Mas eu estava enganada. Naquele turno, pelo menos. O movimento seguinte de Clefairy foi a Neblina, que funciona durante 5 turnos, protegendo todo e qualquer Pokémon do lado do campo do usuário de ataques que possam diminuir algum stat. No entanto, Cetitan já tinha revelado todos os 4 movimentos que possuía: Caco de Gelo, Tóxico, Proteção e Aquaríete. Nenhum deles reduzia stats. Ou seja, mais um turno PERDIDO.
E para piorar, a névoa levantada se misturava com a cor branca de Cetitan, camuflava-o o suficiente para que Clefairy não percebesse sua aproximação até ser tarde demais.
— Aquaríete novamente!
E logo na sequência, Cetitan atinge novamente Clefairy com uma lâmina d'água, que causa brutal dano, reduzindo o HP de minha Pokémon para o amarelo. A situação estava crítica para o nosso lado. Mas como eu disse, eu sou uma mulher de convicção. Eu sabia que Clefairy podia me defender nessa. Então continuei ordenando:
— Metrônomo uma vez mais.
E no último segundo, parece que a coisa realmente funcionou. A cabeça de Clefairy ficou envolta em energia, enquanto toda a estrutura de seu crânio tornou-se dura como pedra. Aquele era o movimento conhecido como Bate-Cabeça.
Mergulhando como um míssil explosivo, Clefairy salta de cabeça na direção do adversário. Se ela atingisse Cetitan neste momento, ele já era. Mas Grusha era esperto. El sabia que, se atingisse Clefairy PRIMEIRO, quem perderia não seria el, por isso, apelou para uma técnica de prioridade:
— Caco de Gelo!
Cetitan arremessa um único bloco de gelo na área designada, com força total.
— PERFURE! — Grito na intenção de incentivar Clefairy, e dá certo. Com a cabeça mais rígida que a parede de uma montanha, o tipo fada avança na cabeçada, partindo o Caco de Gelo ao meio e prossegue em sua investida, atingindo Cetitan com uma colisão explosiva, que gera danos para ambos os lados.
— CETITAN!!!
Grusha se desespera ao perceber que seu Pokémon estava em uma condição para lá de crítica. Mas não havia mais o que fazer. Quando a fumaça abaixou, os olhos de Cetitan estavam girando em suas órbitas e o Pokémon de Gelo estava tombado de lado, de um jeito que dificilmente conseguiria se levantar.
— Cetai... 😵
— 1 x 1, heheh. — Comemorei. Clefairy, no entanto, estava deveras ferida. Seu HP encontrava-se já no vermelho, quase totalmente esgotado.
— Você foi muito bem, Cetitan. Descanse. — Grusha retorna o gigante à pokébola e já saca mais uma na sequência. — Eevee, eu sei que você está cansado, mas...
Grusha se interrompe. Parece que el ia dizer algo como "mas eu sei que você consegue derrotá-la", mas ficou por isso mesmo. El não incentivou seu Pokémon, apenas lançou-o para fora.
— Vui, vui! — Bradou Eevee, que por mais que tentasse, era fofo demais para conseguir intimidar.
Antes de mais nada, no entanto, eu precisava ajudar Clefairy a se manter bem na luta. Então, puxei um item da bolsa e pedi permissão para usá-lo. Com a permissão concedida, entrei na quadra e borrifei um pouco da solução sobre Clefairy, que imediatamente, começou a sentir-se melhor. Tratava-se de uma Água Fresca, item oficialmente aceito pela Liga Pokémon para uso em batalhas. Ele recuperava um pouco do HP do Pokémon afetado e isso nos dava uma certa folga na competição.
Mas gastar minha vez de atacar com um item também tinha seu revés: agora Eevee estava livre para nos atacar.
— Eevee, Refletir!
Grusha então usa seu tempo extra para erguer uma barreira em torno de Eevee. Era um campo de força telecinético, tal como a Proteção de Cetitan, mas funcionava diferente. Ao invés de proteger Eevee 100% de um único golpe, funcionava como um filtro, diminuindo o dano de ataques físicos recebidos pela metade, o que era perfeito no caso de Eevee, já que sua única fraqueza, sendo um tipo normal, era o tipo Lutador, tipo este cuja maioria esmagadora dos movimentos são físicos.
Mas não parou por aí. Logo na sequência, Grusha fez algo que eu não estava esperando...
El tirou uma pokébola do bolso. Não! Espere! Aquilo não era uma pokébola. Era um Tera Orb novinho em folha. E estava carregado! Pronto para ser usado. Grusha então arremessa o orbe sobre Eevee, que começa a ser banhado por uma quantidade tremenda de energia e seu corpinho diminuto torna-se então envolto por uma casca de cristal reluzente, banhando todo o campo de batalhas em uma chuva de brilho ainda maior que o de Quaxly.
— Ela Terastalizou o Eevee! — Surpreendeu-se Julien, que estava tendo a oportunidade de acompanhar uma Batalha em que os combatentes utilizam o Terastal pela primeira vez.
— E não só isso. Eevee agora está de acordo com o Ginásio Glaseado! — Afirma Grusha.
Foi só então que eu percebi:
— O Tera Tipo de Eevee é GELO!!!
— Exatamente. Isso significa que agora, do lado ofensivo, Eevee receberá bônus de ataque tanto ao utilizar golpes do tipo Normal quanto ao utilizar golpes do tipo Gelo. Já do lado defensivo, ele sofrerá das fraquezas e desvantagens apenas do tipo Gelo, desconsiderando o tipo Normal prévio. — Explica então @ Líder de Ginásio.
— Ora, isso não me assusta. Eu já enfrentei vários colegas e rivais da Equipe Naranja na Academia Pokémon, que utilizavam a Terastalização e sempre saí vitoriosa. Clefairy, Metrônomo mais uma vez!
Clefairy solta mais um ataque, desta vez o Raio Congelante, atingindo Eevee e causando-lhe danos razoáveis, mas apenas isto.
— Bom, se continuar usando o Metrônomo tantas vezes seguidas, eu realmente não sei se você conseguirá se manter invicta por muito tempo. — Aconselha-me Grusha, antes de revelar um segredinho de seu Eevee — Agora, parceiro: use o golpe Imitador!
Eevee brilha em um tom de azul clarinho e então, com a energia Terastal combinada, ele banha o ginásio inteiro em muito brilho. Era o mesmíssimo Raio Congelante que havia sido usado CONTRA ele, agora sendo usado POR ele. De sua boca, projeta-se então uma rajada quádrupla de plasma resfriado, com força aumentada, que acerta Clefairy causando muito mais danos do que quando ELA estava usando aquele ataque. E tudo devido ao bônus ganho pela Terastalização.
— CLEFAIRY! — Gritei, preocupada com a saúde de minha Pokémon. Mas Clefairy reergue-se, determinada a não entregar a partida.
— F-f-fairy...
O HP do tipo Fada estava de volta no vermelho, em estado mais do que crítico. Neste momento, ponderei: Eu até poderia tentar recuperar sua saúde novamente, mas Eevee estava tão "bufado" devido à Terastalização, que se eu não assumisse uma postura ofensiva, eu jamais conseguiria derrotá-lo. Então fui na cara e na coragem e joguei na loteria, torcendo para que eu fosse uma vencedora.
— Metrônomo!
Os olhos d@ Líder de Ginásio se arregalaram por detrás daquele enorme cachecol. El deveria achar que eu era louca. Ao invés de optar por uma ofensiva garantida, eu optei por uma duvidosa. Se o golpe do Metrônomo falhasse ou Clefairy invocasse um movimento de assistência, por exemplo, Eevee certamente me derrotaria na rodada seguinte. Mas como eu disse, eu sou teimosa. Grusha falou várias vezes que eu não deveria usar o Metrônomo e apenas o Metrônomo caso quisesse vencer, e eu queria provar que ela estava errada.
Saiu então uma Asa de Aço, que COMEU o resto do HP de Eevee. Foi SUPEREFETIVO.
— Eevee!
— Vui, vui... 😵
Os olhinhos de Eevee giravam para lá e para cá, tal como os de Cetitan, e o pequeno Pokémon mamífero não mais se levantou. A vitória era minha. Ou melhor... Nossa, já que Quaxly e Clefairy foram os que deram duro para que isto fosse possível.
— Uau! — disse Grusha, muito embora ele não parecesse surpreso. Parecia que tinha certeza de que seria derrotado. — Você foi demais!
— Obrigada.
— Você tem a mesma imponência que Geeta.
Não, por favor, Grusha. Não me compare com ELA.
— Deve ser de família. — Continua el.
Eu não sabia o que poderia ou não dizer, mas precisava encontrar uma fuga para aquela situação. Eu não queria que aquele nome me assombrasse novamente, não queria me ver perdida em pensamentos sobre a minha irmã. Eu só queria vencer uma batalha de Ginásio em PAZ. Então, dei uma de louca, com o sangue irracionalmente fervilhando:
— Sabe o que mais é de família? A minha agenda apertada! Chega de papo: Dê-me a insígnia de uma vez. Nós precisamos partir.
— Oh.
Pobre Grusha. Não sei se foi impressão minha, ou aqueles olhos azuis por detrás da manta ficaram úmidos.
Saí de lá com uma insígnia de ginásio em mãos (a prova de que eu havia vencido em Glaseado), mas não só isso. Eu segurava também o meu próprio coração. QUE MERDA, GEETA! Por que toda vez que você aparece em uma conversa, eu acabo me tornando tão amarga e afastando todo mundo ao meu redor quando a única pessoa a quem eu realmente deveria ficar longe é você?
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