Pokémon Laços: 50 Tons de Vermelho - 03: Salmão


1998

Eu nunca acreditei em deuses. Mas naquele verão, com o Saur morrendo no meu colo e a Yellow segurando minha mão no escuro, eu rezava.


A gente tinha ouvido as histórias na cidadezinha esquisita no meio do nada, nos confins de Kanto, uma cidade que era tão pequena, mas tão pequena, quem nem cidade era, mas um vilarejo, um povoado que sobrevivia às mínguas perto da fronteira. "Tem um Venusaur que vive no topo da árvore mais velha da Região", o velho do mercado falou, cuspindo no chão. "Ele cura qualquer coisa. Até Pokémon que a Equipe Rocket ferrou."

Yellow fez aquela cara dela, a de "isso é bobagem", mas eu vi o jeito que ela olhou pro Saur. As folhas dele não estavam mais pretas como ano passado, mas ele estava muito borocoxô e não conseguia mais nem levantar a cabeça pra pegar sol e fazer a fotossíntese.

— Vamos tentar — eu falei, segurando a Pokébola dele com a mão suada.

Yellow suspirou, mas pegou minha mão de volta.

— Só porque você tá com essa cara de cachorro abandonado.

Ela tava sorrindo. Meu coração deu um pulo.

O lugar era estranho. Parecia que alguém tinha construído casas em cima das raízes de uma árvore gigante. O povo todo cuidava de Bulbassauros e Ivysaurs — tinha até um velho com um Venusaur encolhido no quintal, que nem um Arcanine de guarda.


Foi ele que nos contou a lenda.

— O Deus Venusaur tá lá em cima — ele disse, apontando pro topo da árvore, onde os galhos sumiam nas nuvens. — Ele nasceu de um guerreiro que salvou essas terras há trezentos anos. Agora ele protege a cidade.

Yellow deu uma risadinha.

— Tá, e onde tá a prova?

O velho ficou puto. Chamou três Venusaur diferentes, mas cada um contou uma história diferente. Um disse que o Deus Venusaur era verde, outro que era marrom, e o terceiro jurou que ele brilhava no escuro. Yellow, que atuava como tradutora Pokémon, só revirava os olhos.

— Tá vendo? — Yellow cutucou minha costela. — É só uma Lenda besta!

Mas eu não tava ouvindo. O Saur tava quente demais na Pokébola, como se tivesse com febre.

— Eu vou subir — eu decidi.

Yellow olhou pra árvore, depois pra mim, e resmungou:

— Tá. Mas se a gente morrer, eu vou te matar.



A gente começou a escalar de manhã. Yellow subia na frente, pulando de galho em galho com a Chuchu (a Pikachu dela) no ombro. Eu tava atrás, segurando o Saur na Pokébola e tentando não olhar pra baixo.

— Você acha mesmo que vai ter um Venusaur mágico lá em cima? — ela gritou, rindo.

— Se não tiver, a gente pelo menos vai poder curtir a vista juntos — eu respondi, corando.

A gente tava quase no topo quando ouviu um barulho de motor.

— Não acredito...

Era a Equipe Rocket. Jessie, James e Meowth num helicóptero velho, com um Shellder meio bocó que mordia a bunda do James tentando evoluir ele para Slowbro, e um Gyarados urrando descontrolado e enchendo todo mundo de baba (porque sim).


"Preparem-se para a Encrenca!"

"Encrenca em dobro!"

— Ah, já chega! Parem com isso! Eu não aguento mais ouvir essa ladainha! — Berrou Yellow, interrompendo o tradicional lema dos trapalhões, a única Equipe Rocket com quem eu não tinha pesadelos à noite.

— PEGA ELES! — James berrou, enquanto o Gyarados apenas dava pulinhos no mesmo lugar, usando Splash.

— Que palhaçada! — Uma veia saltou na testa de Jessie, que furiosa pegou seu Shellder por um dos chifres e o arremessou como quem joga uma pokébola, para fora do helicóptero, na direção da gente. Shellder então cuspiu um Revólver d'Água que quase me derrubou.


Nisso, o helicóptero tentou pousar num galho... mas CRACK. O galho quebrou, e a máquina caiu lá embaixo, explodindo numa bola de fogo. Shellder e Gyarados, desnorteados, se atiraram no olho da explosão, indo atrás de seus treinadores.

Yellow olhou pra mim.

— Eles... morreram?

— Duvido — eu disse. Nada mata a Equipe Rocket.




Quando a gente finalmente chegou no último galho, não tinha nada. Só vento e um monte de folhas.

— Eu te avisei — Yellow falou, esfregando o braço arranhado.

Mas aí a gente viu.

No meio dos galhos, tinha um rosto. Um Venusaur gigante, feito de madeira viva, com os olhos fechados. E em suas costas, ao invés de uma flor, havia uma árvore.


— É... só um monte de galho torcido, né? — Yellow tentou, mas a voz dela tava tremendo.

Então...

Jessie, James e Meowth chegam ao topo da árvore-mãe. Eles sobreviveram à queda (afinal, são impossíveis de matar) e ficaram presos nos galhos da árvore. Sem rádio, não puderam pedir resgate à Equipe Rocket. Agora, decididos a roubar Pika e Chuchu para escapar, lançam Shellder e Gyarados ao ataque novamente!

Na confusão, Pika pula dentro da boca de Gyarados quando o Pokémon Serpente Marinha de James se aproximou com uma Mordida e, mesmo comigo gritando, horrorizado, pensando que meu Pokémon havia sido COMIDO, Pika soltou um Choque do Trovão, cozinhando ele de dentro para fora. Chuchu segue a tendência e frita Shellder e Meowth. E então...


BOOM!

"Parece que a Equipe Rocket... Está Decolando DE NOVOOOOO!!!"


Mas a explosão destruiu os galhos ao redor, e todos caem. Eu consegui segurar Pikachu com a mão direita, mas não aguentei o peso de Yellow e Chuchu na mão esquerda. Então, o Saur saiu da Pokébola sozinho e usou uma vinha para segurar ela e tentou se agarrar a um galho... mas ele estava muito fraco, e errou!


Desesperado, enquanto despencam, fiz uma última oração: "Espírito Guardião... salve a gente!"

Foi quando o Venusaur Deus, ainda no topo da árvore, abriu os olhos. O sol nasceu e de repente, flores desabrocham por toda a árvore e pétalas começam a cair. 

*Reconstituição por Urbinator17, deviantArt. Utilizada mediante Autorização.*

Uma delas, enorme e leve como um paraquedas, flutuou sobre nós, fazendo a gente descer suavemente para alguns níveis mais baixos na árvore. Na cidade, tenho certeza (absoluta!) de que as pessoas olharam para o céu, maravilhadas com a chuva de pétalas. Yellow sorriu, em segurança: "Que lindo..."

Era como se a árvore toda tivesse acordado. As folhas brilharam, e foi nesse momento que uma voz ecoou na minha cabeça:

"Você trouxe o ferido."

Eu quase caí pra trás. Saur, ainda muito fraco, olhando pro Deus Venusaur, lááá no topo, onde estávamos anteriormente.

— Por favor — eu implorei, com a voz engasgada, olhando para cima enquanto admirava o brilho emitido pelo Deus Venusaur. — Cura ele.

O Venusaur Deus então olhou pra gente, movendo lentamente sua cabeça de madeira rígida.

"Não posso."

Yellow gritou: — Mas você não é um Deus?!

"O que o Cristal fez não pode ser desfeito por mãos Pokémon", a voz continuou, calma. "Nem pelas de um Deus."

Eu senti um nó na garganta. O Saur encostou em mim, fraco.

— Então ele vai...?

"O cristal precisa ser destruído", o Venusaur Deus cortou. "Enquanto ele existir, seu Venusaur nunca será livre."

Yellow agarrou minha mão.

— A gente vai achar um jeito — ela prometeu, e eu quase acreditei.

O Venusaur Deus fechou os olhos de novo. As folhas começaram a cair, e uma — grande e rosa — pairou no ar até pousar no Saur.

"Isso vai aliviar a dor. Mas a cura... só você pode dar."

E então, ele virou só madeira de novo.



A gente desceu em silêncio. Yellow tava segurando o Saur no colo, e ele parecia um pouco melhor, mas ainda fraco.

— Red... — ela começou, mas eu já sabia o que ela ia dizer.

— Eu vou destruir o cristal.

Ela sorriu, meio triste.

— Eu vou com você. — Foi a vez de Yellow corar. Ela gostava de mim, eu tinha certeza!

A gente sentou na raiz da árvore, vendo o sol se por. Yellow encostou a cabeça no meu ombro, e eu não mexi, com medo de estragar o momento.

— A gente vai consertar isso — ela sussurrou.

Eu só concordei, segurando a Pokébola do Saur e a mão dela.

O Venusaur Deus talvez não tivesse curado o Saur.

Mas ele tinha me dado uma resposta.

E agora, eu sabia o que tinha que fazer.



Ainda naquele ano, Yellow e eu começamos a namorar. E por namorar, leia-se beijar na bochecha, dar selinhos e andar de mãos dadas. Fomos para Johto e lá fizemos amigos incríveis...

  


Gold, Silver e Crystal, e com a ajuda deles, acabamos por prender praticamente todos os membros restantes da Equipe Rocket na nova Conferência da Liga Índigo, que agora passaria a ser anual e não mais ocorrendo de três em três anos como na época em que eu participei. Carl Keane, Chermaine Sham, Attila, Hun, Pryce, Petrel, Archer, Ariana, Proton, Sabrina, Koga, Tenente Surge e Domino...







Todos eles foram para trás das grades. Porém... Green e Blue ainda permaneciam desaparecidos. Jessie, James e Meowth seguiram aterrorizando (com suas traquinagens) e Giovanni... Bem, ele sumiu. E então eu jurei que enquanto eu não encontrasse ele, eu não sossegaria!


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