Pokémon Laços: 50 Tons de Vermelho - 04: Coral


1999


O sol estava quase nascendo quando chegamos em White City, mas já dava pra ver a multidão se aglomerando do lado de fora do estádio. Eu senti a minha mão suando dentro da de Yellow enquanto a gente empurrava aquele mar de gente. O cheiro de algodão doce e pipoca fresquinha enchia o ar, misturado com o barulho de Pokémon gritando e gente rindo. Normalmente, eu adoraria um lugar assim. Mas hoje não era dia de diversão. 


"Red..." Yellow me puxou pelo braço quando quase bati num cara vestido de Snorlax. "Você tá me esmagando os dedos."  

Eu soltei rápido, corando. "Desculpa. É que... eu preciso chegar lá." 



Ela me olhou daquele jeito que só ela sabia fazer - meio preocupada, meio brava, com os olhos castanhos que pareciam ver tudo dentro de mim. "Você vai chegar. Mas não adianta nada chegar lá todo quebrado antes mesmo de começar." 

Eu sabia que ela tinha razão, mas meu coração batia tão forte que eu quase não ouvia direito. O Saur, na pokébola na minha cintura, estava quente como se tivesse febre de novo. Desde aquela vez na árvore sagrada, ele melhorou um pouco, mas nunca voltou a ser o mesmo... Seu desejo ardente por batalhar, porém, permanecia intacto. Ele amava participar de partidas esportivas, especialmente as oficiais.

A entrada do estádio era um portão enorme com um holograma de Charizard e Feraligatr lutando. Um guarda nos barrou. "Ingressos?"  

Eu quase engasguei. Ingressos? Ah, não! Eu deixei na minha outra mochila!

Foi quando Yellow puxou dois pedaços de papel brilhante da mochila dela. "Aqui. Dois para o evento especial do Castelo dos Líderes."  

O guarda olhou os ingressos e nos deixou passar. Eu olhei pra Yellow, boquiaberto. "Como você...?"  

Ela só sorriu, aquele sorriso maroto que me deixava com Butterfree's no estômago. "Eu sabia que você ia esquecer. Pedi pro Professor Carvalho me mandar semana passada."  

Eu queria abraçar ela. Queria dizer algo bonito. Mas o que saiu foi: "Você é incrível." E então meu rosto pegou fogo.  

Yellow riu e puxou minha mão de novo. "Vamos, campeão. Tem um monte de líder esperando pra te derrubar."  

Dentro do estádio era ainda mais impressionante. O chão tremia com os passos de Pokémon gigantes, as luzes coloridas piscavam no teto alto, e o barulho era tão forte que eu sentia no peito. No centro de tudo, erguia-se o Castelo dos Líderes - uma construção enorme com torres que representavam cada tipo Pokémon.  


"Por onde a gente começa?" Yellow perguntou, girando no lugar pra ver tudo.

Eu já tinha estudado o mapa antes. "Pelo mais fácil: Falkner, dos voadores."  

A sala de Falkner ficava na torre mais alta, e a gente teve que subir uma escada em espiral que deixou minhas pernas queimando. Quando finalmente chegamos lá em cima, o vento estava tão forte que quase levou o boné da minha cabeça.

Falkner estava de pé no meio de uma plataforma circular, sem grades laterais, com o manto azul flutuando no vento. Ao seu redor, cinco pokébolas flutuavam misteriosamente no ar.


"Red, de Pallet Town," ele disse como se já me conhecesse. "Ouvi falar de você. O garoto que enfrentou a Equipe Rocket."  

Eu engoli seco. "É... isso mesmo."  

Falkner sorriu, mas não era um sorriso amigável. "Vamos ver se você merece essa reputação."  

Ele jogou duas pokébolas ao mesmo tempo. Um Xatu apareceu, pairando no ar com olhos que pareciam ver através de mim.  


Eu mandei o Pika primeiro.


"Choque do Trovão!"  

O ataque acertou em cheio, mas o Totem vivo nem se mexeu. Falkner riu. "Xatu, Confusão no Pikachu!"  


O Xatu abriu os olhos brilhantes, e meu Pikachu de repente começou a se contorcer no ar, gritando atordoado.  

"Pikachu!" Eu quase pulei na arena, mas Yellow me segurou pelo braço. Comandei Poliwrath então para entrar em campo e contra-atacar com Raio Congelante, mas a rajada criogênica se dissipou antes de chegar ao alvo. Estranhei. O Raio Congelante não era um golpe que tinha precisão baixa.


"Ele tá usando o vento!" Yellow gritou no meu ouvido. "O Xatu tá criando uma barreira de ar em volta dele!"  

Eu olhei de novo e vi - o ar em volta do Xatu tremulava levemente. Ele estava usando a Confusão continuamente para "bombear vento" e bloquear os ataques. Chamei Poli de volta à pokébola, com medo de levar um superefetivo do tipo Psíquico e mandei Pika voltar para o campo.

"Pikachu, usa Agilidade e ataca o Xatu por trás!"  

Pikachu desapareceu num flash amarelo, aparecendo atrás do Xatu com um Trovão que fez o pássaro esquisito gritar. Xatu até tentou interferir, mas agora eu estava pronto. 


"Lax, Bloqueio!"  

Chamei Pika de volta, e meu Snorlax gigante apareceu em seu lugar. Ele agarrou o Xatu no ar, pesando ele para o chão. Pancada Corporal. Falkner franziu a testa. "Mais uma substituição? Que Interessante..."  


No final, ganhamos, mas não foi fácil. Quando Falkner me entregou a Insígnia Zéfiro, ele olhou nos meus olhos. "Você luta com raiva, Red. Isso pode ser sua força... ou sua queda."

Eu só acenei e guardei a insígnia, mas as palavras dele ficaram ecoando na minha cabeça.  

Yellow me puxou para a próxima batalha antes que eu pudesse pensar muito. "Vamos, o próximo é Bugsy. Ele usa insetos, então o Aero deve ser ótimo contra ele!"  

Ela estava certa, mas também errada.  

A sala de Bugsy era uma floresta artificial, tão densa que mal dava pra ver o céu. O cheiro de terra molhada e folhas podres enchia o ar. Bugsy, um garoto que deveria ter a mesma idade que eu com uma roupa de guarda florestal verde, estava sentado num cogumelo gigante quando entramos.  

   

"Finalmente!" Ele pulou em pé. "Estava esperando um desafio de verdade!"  

Eu mandei o Aerodactyl primeiro, mas Bugsy só riu. "Scizor, Agilidade!"  


O Scizor dele apareceu com um brilho metálico, e quando o Aero soltou seu Deslize de Pedras, simplesmente falhou!  


"O que...?"

Nisso, Scizor começa a brilhar mais que o normal. Sua carapaça era tão vermelha quanto o meu nome.

"Ele revestiu o corpo com uma camada extra de metal!" Yellow gritou de trás da cerca. "É uma técnica avançada! Defesa de Ferro!"


Eu mordi meu lábio. "Aero, volta! Gyara, vai você!"  


O que se seguiu foi uma das batalhas mais brutais que eu já tive. O Scizor de Bugsy era rápido como um raio, e suas garras cortavam até através das escamas do Gyara. Quando finalmente conseguimos derrotá-lo, meu pobre Gyarados estava coberto de arranhões, uma colcha de retalhos, por assim dizer.

Bugsy me entregou a Insígnia da Colmeia com um sorriso. "Você é forte, Red. Mas cuidado - nem todo inimigo pode ser derrotado na base da força bruta. Às vezes, a maior força é a do pensamento."

Eu estava começando a ficar cansado desses conselhos. Será que eu tava agindo de algum jeito que eu mesmo não estava me percebendo?

Whitney foi pior. Muito pior.  


A sala dela era quase um celeiro gigante, cheio de feno e com um cheiro forte de leite. Ela estava sentada no dorso de uma Miltank enorme, balançando as pernas como se estivesse num parquinho. Por que diabos eu fui subestimá-la, sem or?


"Ah, finalmente!" Ela cantou quando nos viu. "Alguém pra eu esmagar!"  

Eu não estava preparado. Ninguém poderia estar.  

Aquela maldita Miltank usou Rolagem, e em três ataques, meu Poli estava fora de combate. Meu Gyara não durou nem isso, mas quando a Miltank usou Leite da Cura e recuperou toda a energia, eu quase joguei meu boné no chão. 


"Red!" Yellow me chamou quando eu estava prestes a mandar o Saur. "Ela sempre ataca na mesma direção depois da Rolagem! Olha o padrão!"  

Eu olhei de novo e vi - depois de cada Rolagem, a Miltank sempre virava para a esquerda antes de atacar de novo.  

Na segunda tentativa, ganhamos. Mas quando Whitney me entregou a Insígnia da Planície, ela não parecia nem um pouco abalada. "Você só ganhou porque ela te ajudou," ela apontou para Yellow. "Sozinho, você ainda é um fracote." 

Que ódio! Eu queria discutir, mas ela tinha razão.

Morty foi... diferente.  


A sala dele ficava no porão do castelo, e a gente teve que descer uma escada de pedra que parecia não ter fim. O ar ficava mais frio a cada degrau, e quando finalmente chegamos lá embaixo, minha respiração saía em nuvens brancas.

Morty estava de pé no meio de um círculo de velas, com os olhos meio fechados. Quando nos viu, ele não sorriu.

"Você cheira a morte, Red," ele disse, e minha espinha gelou.

O Gengar dele apareceu antes mesmo de eu pegar uma pokébola. O Pokémon fantasma riu, e o som ecoou dentro da minha cabeça como se estivesse dentro de mim.  


Meu Snorlax lutou bravamente, mas o Gengar parecia prever cada movimento. Quando ele usou a Hipnose e meu Aerodactyl começou a se contorcer no ar, eu gritei de raiva.  

"Red, cuidado!" Yellow me puxou para trás quando o Fantasma quase me atingiu com uma Sombra Noturna.  


Foi a Chuchu, o Pikachu dela, que nos salvou. Com um Choque do Trovão tão forte que fez as velas todas apagarem, o Gengar recuou.  

Morty nos observou com interesse. "Vocês dois... estão conectados de um jeito raro. O amor da juventude é mesmo PURO."

Nisso, o Snorlax avançou com a Bola Sombria, garantindo a nossa vitória!


Ele me entregou a Insígnia da Névoa. "Mas tenha cuidado com a escuridão que você carrega, Red. Ela pode consumir vocês dois." 

Eu não entendi direito, mas Yellow ficou muito quieta depois disso.  

Depois foi a vez de Chuck, o Punho de Aço! A sala dele era um dojo aberto, com tatames gastos e o cheiro de suor e óleo de treino. Chuck, um homem com o peito tão largo quanto um Nidoking, cruzou os braços quando entrei.

"Batalha aqui é como arte marcial," ele disse. "Precisão. Controle."

Seu Hitmontop girou como um pião antes que eu pudesse piscar. "Poli, Raio Congelante!"

O ataque acertou, mas o Hitmontop usou Chute Triplo tão rápido que parecia ter se multiplicado. Poli caiu com um gemido.


"Lax, agora!" Meu Snorlax entrou com um Bloqueio, segurando o Hitmontop no lugar. "Pancada Corporal!"


Chuck riu quando seu Pokémon resistiu. "Contra-ataque! Chute Rasteiro!"

Foi um massacre mútuo. No final, Lax ficou de pé – por pouco, após uma tentativa bem sucedida de colocar o capoeirista para dormir com o Bocejo.

 

Chuck me entregou a Insígnia da Tempestade. "Força sem disciplina é só violência, garoto." Yellow me puxou pelo braço antes que eu revidasse o comentário. Não era possível! Por que todos aqueles Gym Leaders estavam me dizendo coisas assim? Será que eu havia me tornado um bruto?

A câmara de Jasmine no Castelo dos Líderes de Ginásio de Johto era uma caverna de metal, com paredes cheias de engrenagens girando. Jasmine, de vestido branco e aparência ingênua, acariciou seu Forretress antes de me encarar, mudando radicalmente de expressão.

 

"Pokémon de aço são pacientes," ela disse. "Eles esperam o inimigo se cansar."


Mandei Gyara para um Hidro Bomba, mas o Forretress usou Rocha Polida, aumentando a velocidade e escapando.


Depois, ele veio com Canhão de Zap. Gyara gritou, paralisado e com a vida por um fio!


"Troca! Aero, Presas de Fogo!"


O ataque acertou, mas Jasmine usou uma Hiper Poção, recuperando todo o HP de seu Pokémon. Aero tentou mais um ou dois golpes, mas logo ele já estava caído, e o Forretress, intacto.

"Saur, é você!" Meu Venusaur, ainda fraco, usou Folha Navalha, mirando nas juntas do casco e impedindo que Forretress pudesse se retrair. Com mais uma saraivada de folhas cortantes e uma acerto crítico, o Forretress finalmente cedeu.


Jasmine sorriu ao me dar a Insígnia Mineral. "Às vezes, a solução não é bater mais forte... mas no lugar certo."

Yellow apertou minha mão, aliviada. Eu só concordei em silêncio.

Essas batalhas me ensinaram: eu estava lutando contra meus Pokémon, não com eles. E isso ia mudar – tinha que mudar – antes de enfrentar Giovanni.

Dorian, o novo líder do tipo água, foi o mais estranho.

 

A sala dele era um iceberg flutuante em um tanque gigante de água, e ele usava Pokémon que eu nunca tinha visto direito - um Qwilfish que soltava espinhos envenenados e um Lanturn cuja luz era tão forte que ardia os olhos.  


"Você está apressado," Dorian comentou enquanto Poli escorregava no gelo pela terceira vez. "Como se estivesse fugindo de algo."  

"Eu não tô fugindo!" Eu gritei, mas minha voz ecoou vazia no tanque.  

No final, foi o Saur quem nos deu a vitória, com um Raio Solar que derreteu metade do iceberg.


Dorian nos deu a Insígnia Glacial com um sorriso triste. "Às vezes, o que a gente mais precisa enfrentar está dentro da gente mesmo."  

Clair foi a última. E a pior.  


A sala dela era um penhasco sobre um mar artificial, com ondas que batiam nas pedras lá embaixo. O Dragonite dela rugiu quando entramos, e o som fez meus joelhos tremerem.  


"Então você é o famoso Red," Clair cuspiu o nome como se fosse um insulto. "Vamos ver se você é tudo isso."  

Eu nunca tinha lutado contra um Dragonite tão aloprado antes. Nada poderia ter me preparado para o poder daquele Pokémon. Em três ataques, meu Gyarados estava fora de combate. Meu Aerodactyl durou um pouco mais, mas quando o Dragonite usou Hiper Raio, eu pensei que ele tinha morrido.  


"RED, CHEGA!" Yellow gritou quando eu peguei a pokébola do Saur.  

Eu ignorei. "Saur, vamos! Raio Solar!"  

Mas o Saur mal conseguia ficar em pé. Quando ele tentou atacar, o Raio Solar saiu fraco e enviesado. O Dragonite desviou com facilidade. 


Foi quando Yellow fez algo que me deixou sem ar.  

Ela pulou na arena.  

"PARA!" Ela se colocou entre mim e o Dragonite, os braços abertos. "Ele já sofreu o suficiente!"  

Clair ergueu uma sobrancelha. "Interessante." Ela chamou o Dragonite de volta. "Você tem sorte de ter alguém que se importa assim com você, Red."  

Eu estava tremendo, de raiva, de vergonha, de algo mais que eu não conseguia nomear. Yellow voltou para mim e colocou as mãos no meu rosto.  

"Chega," ela sussurrou. "Por favor."  

Eu não sabia quando tinha começado a chorar.  

Clair nos deu a Insígnia Ascendente de qualquer jeito. "Você tem potencial, Red. Mas potencial não é nada sem controle."  

Quando saímos do castelo, a noite já tinha caído sobre White City. As luzes do estádio piscavam no escuro, e o barulho da multidão parecia distante.  

Yellow segurou minha mão enquanto a gente caminhava de volta ao Centro Pokémon. "Você conseguiu," ela disse.  

Eu olhei para as oito insígnias na minha mochila - todas de Johto, todas conquistadas em um único dia. Elas eram diferentes das que Gold, Silver e Crys tinham, por terem sido adquiridas no Pokémon Stadium. Mas não me senti um vencedor.  


"Eu não consegui nada," eu admiti, a voz rouca. "Foi você que me salvou toda vez."  

Yellow parou e me fez olhar para ela. "E daí? A gente é um time, não é?"  

Ela estava sorrindo, com a luz das estrelas refletindo nos olhos. E de repente, eu percebi o quanto ela tinha crescido desde quando a conheci. O quanto nós dois tínhamos crescido. E foi aí que eu comecei a me sentir um adolescente. Eu não era mais uma criança.

"Time," eu concordei, apertando a mão dela.  

Na manhã seguinte, pegamos o barco de volta para as Ilhas Laranja. O Saur estava melhor, as insígnias estavam guardadas, e Yellow dormia no meu ombro, exausta.  

Eu olhei para o horizonte, onde sabia que o Giovanni estava esperando. Mas pela primeira vez, eu não estava com medo.  

Porque eu não estava sozinho.  

E isso fazia toda a diferença.


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