Dois longos anos haviam transcorrido desde a tragédia que marcara a vida de Liko e seu pai. Durante esse tempo, Alex, apesar de ser constantemente convocado para comparecer às reuniões escolares de sua filha, raramente havia aparecido. Em vez disso, ele havia optado por se envolver em sua nova vida, construída ao lado de sua nova esposa, deixando para trás os vestígios do passado doloroso.
O relacionamento entre pai e filha havia se tornado mais distante do que nunca, uma sombra das memórias felizes que compartilhavam antes da perda trágica de sua esposa e mãe. Liko enfrentou os desafios da escola, do crescimento e do luto praticamente sozinha, enquanto seu pai estava ocupado com as demandas de sua nova família.
No entanto, em um dia aparentemente comum, algo inesperado aconteceu. Por razões desconhecidas, o pai de Liko tomou a decisão de quebrar sua rotina de ausência nas reuniões escolares. Talvez tenha sido um lampejo de consciência, uma saudade silenciosa que o havia assombrado, ou quem sabe uma crescente preocupação com o bem-estar emocional de sua filha.
Independentemente do motivo, ele finalmente escolheu comparecer à reunião escolar naquele dia. Seu coração estava repleto de uma mistura complexa de emoções enquanto se dirigia à escola, sabendo que este era um momento crucial para sondar se Liko tinha ou não condições de ser mandada para o exterior em breve.
Senhor Alex! O senhor por aqui?
Diga-me Clavell. Ela já aprendeu Japonês?
Estamos fazendo o nosso melhor. Por que não se senta para conversarmos?
Alex sentou-se em frente a Clavell, cruzou os braços e ficou encarando o diretor, como se Clavell lhe devesse desculpas ou algo assim.
A Liko é nossa melhor e pior aluna ao mesmo tempo.
Hã? Como assim?
Quando ela faz as atividades, é sempre nota 10. Mas quando ela não quer fazer, simplesmente não entrega os trabalhos, não responde as provas... Zero.
...
Liko tem sido uma garota solitária. A vida dela gira em torno do silêncio. De fato, de acordo com o relato de uma das nossas professoras, a Senhorita Raifort, faz mais de dez meses que a Liko não solta uma palavra na sua aula. Ela nem sequer responde a chamada. Nós tentamos entrar em contato com o senhor diversas vezes durante esse período, mas o senhor jamais compareceu as reuniões escolares.
Está fazendo isso para chamar atenção, tenho certeza! Por que eu perderia meu tempo vindo até aqui se eu posso resolver isso em casa?
Naquele momento tenso, Clavell notou algo na maneira como Alex se expressava, algo que enviou um arrepio por sua espinha. Foi como se uma sutil, mas inquietante intuição atravessasse sua mente. Era um pressentimento, uma suspeita incômoda que começava a tomar forma. Clavell começou a considerar a possibilidade de que Alex estivesse causando danos físicos à sua própria filha.
As imagens dos hematomas que ele ocasionalmente notava nos braços e pernas de Liko piscaram em sua mente como peças de um quebra-cabeça que começavam a se encaixar. O que antes parecia ser meros acidentes de criança, agora assumia uma nova perspectiva sinistra.
No entanto, Clavell era um homem de princípios, alguém que acreditava na justiça e na necessidade de evidências sólidas antes de fazer qualquer acusação. Liko jamais havia feito uma queixa sequer sobre seu pai, muito pelo contrário, ela sempre o descrevia com carinho e admiração, mesmo após tudo o que havia acontecido. Clavell sabia que uma acusação tão grave como essa exigiria um cuidadoso e minucioso processo de investigação. Ele teria que reunir provas concretas e substanciais antes de considerar qualquer ação legal.
O diretor compreendeu que estava diante de um dilema doloroso e complexo. Enquanto o pressentimento persistia, ele também sabia que precisava ser paciente e cauteloso em suas ações, buscando proteger o bem-estar de Liko sem cometer injustiças. O caso, agora nascente, estava repleto de sombras e incertezas, e Clavell estava determinado a buscar a verdade, independentemente do quão difícil e dolorosa essa jornada pudesse se tornar.
O senhor já decidiu se vai enviar Liko ao Japão?
Ah, vou sim. Mas não enquanto as notas dessa menina não melhorarem... Eu vou ter uma conversinha com ela!
Como eu disse, Liko só tem notas baixas porque não entrega os trabalhos... Se o currículo dela continuar assim, não será aprovada na entrevista de intercâmbio exigida pela Academia Índigo.
Entendo... Mas e o Japonês? Ela está dominando a língua?
Alex, acho que o senhor não está compreendendo... A sua filha não fala uma palavra há meses!
E daí?
E daí que não é possível avaliá-la com relação ao aprendizado de uma nova língua se ela não se comunicar!
Bobagem! Essa menina fala tanto que eu preciso colocar música no volume máximo para não ter de escutá-la!
Talvez essa seja a forma de Liko nos dizer que algo está errado.
O que poderia estar errado? Já fazem dois anos! Ela já superou!
Já, é?
É claro. Assim como eu, Liko está vivendo um novo momento, com uma nova família. Eu vou me casar novamente em breve.
Parabéns...
Quando Alex revelou sua decisão de se casar novamente, as palavras de Clavell congelaram em sua garganta e seus olhos se arregalaram em surpresa. A notícia o atingiu como um raio, deixando-o momentaneamente sem palavras. Ele se esforçou para processar a informação inesperada e as complexas emoções que surgiram com ela.
Após um breve momento de silêncio, tudo o que o diretor conseguiu articular foi um trêmulo "Parabéns." A palavra saiu de seus lábios de forma mecânica, quase como um reflexo condicionado, enquanto ele lutava para encontrar as palavras adequadas para expressar seus sentimentos contraditórios.
Por trás daquelas palavras simples, havia uma miríade de pensamentos e preocupações que Clavell preferiu manter para si mesmo naquele momento. Ele desejava o melhor para Alex, mas também não podia deixar de se perguntar como essa nova reviravolta afetaria a já complexa dinâmica familiar, especialmente a fragilidade emocional de Liko.
Enquanto Clavell tentava sorrir de maneira genuína, sua mente estava ocupada com questões não resolvidas e um sentimento inquietante de que as coisas poderiam ficar ainda mais complicadas no futuro. Ele estava disposto a apoiar Alex, mas sabia que, mais uma vez, estava diante de uma situação desafiadora que exigiria sua atenção e cuidado constantes.
O que você acha de adotar um Pokémon de estimação?
O que?
Aquele discurso parecia ter vindo do nada. O que um casamento tinha a ver com adotar um Poké-Pet?
Você não disse que a Liko conversa demais em casa? Ter um Pokémonzinho de estimação talvez a deixe ocupada para não te atrapalhar...
Doía no peito de Clavell dizer aquelas palavras, mas ele estava tentando manipular o pai de Liko. Ele precisava entrar na cabeça de Alex e pensar como ele pensa, para falar como ele fala.
E eu vou ter que cuidar de mais um ser?!
Pense bem... Talvez você pudesse deixar A LIKO encarregada de cuidar do Pokémon. Você só precisa comprar ração de vez em quando.
Parando para pensar... Sabe que é uma boa ideia? Talvez a obrigação cuidar de um pet a faça aprender a ter responsabilidade!
É, não é? Eu inclusive tenho aqui um Pokémonzinho que está para adoção.
Que Pokémon?
Um Fidough. Do tipo Normal. Te interessa?
Um tipo Normal... Isso é importante. Não quero chamas nem raios dentro da minha casa... Um tipo Normal não causa muita bagunça, causa?
Não. E ele ainda pode ajudar na produção de Pães e bolos, com seu hálito de fermento.
Ótimo. A Liko bem que podia aprender a cozinhar para mim. O senhor está com ele aí? Eu posso ver?
Mas é claro!
Clavell estava determinado a encontrar uma maneira de amenizar o sofrimento de Liko, que parecia cada vez mais isolada e triste. Ele ponderou sobre uma ideia que, se bem executada, poderia trazer algum conforto à vida da menina. A proposta era simples: Alex poderia adotar um Pokémon. Clavell acreditava que a presença de um companheiro Pokémon poderia preencher parte do vazio deixado pela ausência da mãe de Liko, oferecendo-lhe companhia e apoio emocional.
No entanto, Clavell sabia que convencer Alex a adotar um Pokémon não seria tarefa fácil. Alex, como muitos homens, tinha uma masculinidade frágil e era relutante em demonstrar suas emoções. Ele ainda sofria profundamente com a perda de sua esposa, mas escondia isso sob uma fachada de força e independência, temendo demonstrar vulnerabilidade ao expor seus sentimentos.
Clavell compreendeu que, para que sua ideia funcionasse, ele teria que abordar a situação com sensibilidade. Ele precisava encontrar uma maneira de quebrar as barreiras emocionais de Alex, manipulando-o para que ele fizesse alguma coisa para amenizar o sofrimento de sua filha e fazê-la compreender que não precisava enfrentar essa dor sozinha.
Clavell estava determinado a reunir essa família fragmentada e oferecer a Liko e Alex a oportunidade de encontrar consolo, mesmo em meio à dor que os envolvia.
Ao final da reunião, que foi mais produtiva do que o esperado, Alex estendeu a mão para cumprimentar Clavell. Ele havia decidido adotar o Pokémon, no fim das contas, e aparentemente estava faceiro em dar uma "distração" para a filha com a qual ele não sabia lidar.
Sabe, Clavell. Eu tinha uma ideia errada sobre você. Você é muito mais legal do que eu pensava.
Obrigado (eu acho).
Você cuida muito bem da minha filha.
*Pensando* Claro, já que você não o faz...
Muito Obrigado pelo Pokémon. Vou colocar a Liko para cuidar dele!
Eles vão cuidar um do outro... ****já que você não vai se importar com ambos...****
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