Vs. Mollie
Mollie! Mollie! Posso te gravar?
Por que está perguntando AGORA, se já o está fazendo? Aff.
Desculpa. É para um trabalho da escola. Pode me ajudar?
Eu odeio a palavra trabalho, mas claro, vamos lá.
A grande pergunta é: Como é ser você?
Como é ser eu? Honestamente, uma merda.
*Silêncio constrangedor*
É isso?
Que foi? Quer que eu elabore?
Óbvio. Por que você acha uma merda ser você?
Bem...
Essa cara de cu que eu tenho nem sempre foi assim. Um dia, eu já fui uma jovem feliz e esperançosa, cheia de sonhos e aspirações. Até eu perceber que tudo na vida se resume a status. Sabe, eu venho de uma Família de Enfermeira Joy's. Dããã. Óbvio, né? Mas o fato é que dentro da nossa família existe um sistema matriarcal muito, muito rígido. Se você é uma menina e nasce com o nosso sangue, você é OBRIGADA a se tornar uma enfermeira ou médica, mesmo que esta jamais tenha sido a sua intenção.
E foi na força do ódio e à base de muita pressão que eu estudei medicina Pokémon. Agora, eu estou fadada a seguir esse destino. Não me entenda mal. É uma ótima profissão. Eu nem posso reclamar. O dinheiro que eu recebo por meus serviços como médica são superiores a qualquer profissão, comparando o tanto que um indivíduo comum precisa prestar de serviço para receber um salário mínimo. Mas... Não é o que eu quero para mim. Nunca foi. No começo era até fácil fingir e disfarçar um sorriso, mas se você me perguntar hoje se eu sou feliz com isso... É lógico que não.
O que eu sempre quis ser? Uma repórter. É... Às vezes eu me pego imaginando tendo um dia de repórter, investigando algum caso misterioso e entrevistando as pessoas (exatamente como você está fazendo comigo agorinha, agorinha). A vida seria tão mais leve... Eu não teria que lidar com coisas... grossas! Eu não teria de mexer com sangue, colocar minhas mãos literalmente nas entranhas de outro ser e ainda correr o risco de matá-lo por qualquer descuido que eu possa vir a ter.
Eu não gosto desta responsabilidade. Eu odeio!
Na verdade, eu sempre me manifestei contra essa obrigação que minha mãe me impôs, e antes disso, que minha avó impôs a ela, e assim por diante... E eu sempre fui castigada por isso. Sempre fui maltratada. Quem olha para uma Enfermeira Joy trabalhando em um Centro Pokémon, sempre tão sorridente e alegre, jamais imaginaria os horrores que elas podem fazer com suas filhas ao chegarem em casa.
Eu carrego ainda hoje as marcas das surras que eu levei. De chinelo, de cinta... Pode não ter ficado um arranhão sequer na minha pele, mas essas impressões ainda estão carimbadas em minha mente, e eu não consigo deixar para trás. Não consigo! Simplesmente não há como deixar de ser eu, e isso é o que me incomoda na vida.
Por alguma razão, depois de tanto apanhar (por que será, né?), quando eu terminei a escola, eu decidi ouvi-las e seguir o caminho da medicina. Mas... Eu logo descobri que estava me torturando ao viver uma realidade que eu não escolhi para mim, mas que a minha família me persuadiu a escolher. É uma violação não apenas do meu direito de ter uma personalidade própria, como do meu próprio corpo! Mas lá estava eu, presa em meu próprio fardo de carregar um sobrenome que eu não pedi para ter.
Até que um dia... Ou melhor... Uma noite, eu conheci uma pessoa muito, mas muito especial.
Friede.
Ele só tinha apenas duas coisas: um dirigível e um sonho... E eu decidi fugir com ele e sua recém-formada tripulação, os Trovonautas, para o desespero de minha família. Até hoje, eu não piso mais em um Centro Pokémon, com medo de reencontrar uma tia ou prima distante e ser interrogada até morte por "deserdar" o legado das Joy.
Quando eu decidi vir com os Trovonautas, no grupo de pesquisa, eu segui utilizando dos conhecimentos que eu adquiri em minha formação como médica e sigo tendo uns trampos aqui e ali para me manter. Afinal, conhecimento nunca é perdido, não é mesmo? Mas... De verdade? Eu me sinto presa. Não tanto quanto antes. Agora, eu viajo o mundo, tratando Pokémon que muitas vezes estão em condições de saúde precária na natureza, distantes das cidades e dos Centros Pokémon, onde as Enfermeira Joy poderiam cuidar deles. É um trabalho nobre, mas no fim das contas... Um trabalho.
E eu não me encontro feliz trabalhando. Também não entendo como é que alguém poderia ser feliz sob qualquer condição de exploração... Talvez porque toda experiência de emprego que eu tive tenha sido traumática, de alguma forma? Talvez porque eu simplesmente queira desaparecer sem deixar vestígios para nunca mais ouçam falar de minha existência? Bom... Eu não sei. Simplesmente não sei.
Só sei que é um saco carregar o sobrenome "Joy", porque por mais que eu me rebele contra a minha família e fuja da responsabilidade que ela me enfiou goela abaixo, eu não consigo me rebelar contra quem eu sou, nem contra de onde eu vim... Quando eu me olho no espelho, está claro para mim que eu sou uma Joy, e eu não posso fazer nada com relação a isso. Se eu pudesse, eu simplesmente nascia de novo, em outra família, mas não dá. Quando eu vejo a minha própria imagem refletida na superfície de um espelho, é um lembrete infernal de que eu falhei enquanto filha, enquanto neta, enquanto sobrinha, enquanto alguém que tinha uma família que esperava o máximo de você...
Mas por que eu me sinto assim? Por que eu não gosto de ser médica? Bem... Eu também queria entender. Eu queria saber a razão pela qual essa profissão não me atrai. Mas eu não sei. Não é como se eu tivesse escolhido isso! Eu não escolhi não gostar! De fato, se eu pudesse escolher, eu escolheria gostar de uma vez, porque seria tão mais fácil! Mas não é assim que as coisas funcionam... Nós não mandamos no nosso coração, e é uma merda pensar que nossos desejos mais pessoais e íntimos, por simplesmente destoarem do que pensa a maioria, pode ferir o orgulho daqueles que amamos...
Mas, Mollie... Posso te perguntar uma coisa?
Já está perguntando...
Você não acha que ainda é nova? Que ainda dá tempo de mudar de área e seguir com outra profissão?
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